Biografias

João Guimarães Rosa

João Guimarães Rosa foi um dos mais importantes escritores brasileiros do século XX,  destaque da terceira fase do modernismo, produzindo contos, poemas, novelas e romances que inovaram ao romper com as técnicas tradicionais da literatura da época. O escritor construiu novos vocábulos e expressões, reinventando a Língua Portuguesa.

 

Biografia

João Guimarães Rosa nasceu na cidade de Cordisburgo, Minas Gerais, em 27 de junho de 1908, sendo o primeiro dos seis filhos de Francisca Guimarães Rosa (antes, Francisca Lima Guimarães), conhecida como “Dona Chiquitinha” e de Florduardo Pinto Rosa, mais conhecido como “Seu Fulô”.

Guimarães Rosa jovem. (Foto: Acervo do Museu Casa Guimarães Rosa)

Filho de comerciante, residia quando criança na rua principal da cidade, hoje denominada Avenida Padre João, bem em frente a estação da Estrada de Ferro Central do Brasil. No local hoje encontra-se à visitação o Museu Casa Guimarães Rosa, que resgata a história do escritor, tendo à mostra objetos pessoais, livros, os cômodos todos montados à caráter, incluindo a “venda” de “Seu Fulô”.

 

Estudos

Joãozito, como era conhecido, iniciou seus estudos em Cordisburgo, na denominada “Escolas Reunidas”, que até então era administrada por freiras e possuía alas masculina e feminina. Hoje é denominada Escola Estadual Mestre Candinho. Foi com Cândido Pereira de Souza, o próprio Mestre Candinho, que ele aprendeu as primeiras letras.

Sempre apaixonado pelas línguas, ainda com menos de 7 anos começou a estudar francês por conta própria. Com a chegada de Frei Canísio Zoetmulder, frade franciscano holandês, em 1917, pode iniciar-se no holandês e prosseguir os estudos de francês, agora sobre a supervisão daquele frade.

No ano de 1918, mudou-se para Belo Horizonte, para morar com seus avós, terminando o curso primário no Grupo Escolar Afonso Pena.

Iniciou o curso secundário no Colégio Santo Antônio, em São João del Rei, em regime de internato, permanecendo por curto período, não adaptando-se ao local e a comida.

Voltando a Belo Horizonte, foi matriculado no Colégio Arnaldo, instituição fundada por padres alemães, iniciando o estudo do idioma alemão, aprendendo em curto espaço de tempo.

Ainda neste período, demonstra sua paixão por Cordisburgo, sua terra natal. Contava os dias para que pudesse pegar o trem e ir passar as férias na cidade.

Em 1925, com apenas 16 anos, inicia os estudos na Faculdade de Medicina da Universidade de Minas Gerais.

 

Início nas Letras

Guimarães Rosa em 1930. (Foto: Acervo Nova Fronteira)

Iniciou nas letras no ano de 1929, quando escreveu quatro contos: Caçador de camurças, Chronos Kai Anagke (título grego, significando Tempo e Destino), O mistério de Highmore Hall e Makiné, para um concurso promovido pela revista O Cruzeiro. Todos os contos foram premiados e publicados, sendo premiado com a recompensa de cem contos de réis.

 

Medicina e Força Pública

Aos 22 anos, em 27 de junho de 1930, casa-se com Lígia Cabral Penna, então com 16 anos, que lhe dá duas filhas: Vilma e Agnes. Dura pouco seu primeiro casamento, desfazendo-se uns poucos anos depois. Neste mesmo ano, forma-se em Medicina, sendo o orador da turma, escolhido por aclamação.

Guimarães Rosa e a filha Vilma Guimarães (Foto: Templo Cultural Delfos)

Foi exercer a profissão em Itaguara, então município de Itaúna, onde permanece por cerca de dois anos. Trabalhou no atendimento da população local, relacionando-se na ajuda à comunidade, sobretudo aos pobres e marginalizados. Devido a precariedade do local, que não possuía sequer energia elétrica, acabou por afastar-se da medicina ali.

Em 1932, durante a Revolução Constitucionalista, serviu voluntariamente como médico voluntário da Força Pública, efetivando-se, posteriormente, por concurso. No ano seguinte, passou a exercer a função de Oficial Médico do 9º Batalhão de Infantaria de Barbacena. Neste período, dedicou ao estudo de idiomas e realizar pesquisas nos arquivos do quartel, sobretudo sobre o jaguncismo da região do Rio São Francisco.

Guimarães Rosa, nos tempos de Força Pública, pelo olhar do Coronel Alcântara, (Foto: Acervo do 9º Batalhão da Polícia Militar de Minas Gerais / Notícias Gerais)

Neste período já era clara a falta de “vocação” para o exercício da Medicina, confidenciando ao amigo Dr. Pedro Moreira Barbosa, em carta datada de 20 de março de 1934:

Não nasci para isso, penso. Não é esta, digo como dizia Don Juan, sempre ‘après avoir couché avec…’ Primeiramente, repugna-me qualquer trabalho material só posso agir satisfeito no terreno das teorias, dos textos, do raciocínio puro, dos subjetivismos. Sou um jogador de xadrez nunca pude, por exemplo, com o bilhar ou com o futebol.

O escritor, com seu notável conhecimento de língua estrangeira, entusiasmou-se com a possibilidade de ser selecionado para o Itamaraty, seguindo em 1934 para o Rio de Janeiro e prestando concurso para o Ministério do Exterior, obtendo o segundo lugar.

 

Premiação com Poemas

Em 1936, a coletânea de poemas Magma recebe o prêmio de poesia da Academia Brasileira de Letras, mas não realizou a publicação da obra. No ano seguinte, utilizando-se do pseudônimo “Viator”, concorre ao prêmio Humberto de Campos, com o volume intitulado Contos, perdendo o primeiro lugar para Luís Jardim. O volume só viria a ser publicado, após revisão do autor, em 1946 através do livro Sagarana.

 

Vida Diplomática (I)

No ano de 1938, Guimarães Rosa é nomeado Cônsul Adjunto em Hamburgo, e segue para a Europa. Lá conhece Aracy Moebius de Carvalho, então chefe da Seção de Passaportes do consulado brasileiro, que viria a ser sua segunda mulher.

Aracy e Guimarães Rosa em Hamburgo (Foto: Acervo Família Tess)

Era época do nazismo alemão, e embora consciente dos perigos que enfrentava, Aracy burlou as regras do governo brasileiro, emitindo vistos para judeus entrarem no Brasil, mesmo com o vigor da Circular Secreta 1127, documento que restringia a entrada de judeus no país. O autor ajudou a futura esposa na missão, salvando milhares de vidas. Em reconhecimento a essa atitude, em Abril de 1985, foram homenageados em Israel: o nome do casal foi dado a um bosque que fica ao longo das encostas que dão acesso a Jerusalém.

Durante a guerra, por várias vezes escapou da morte; ao voltar para casa, uma noite, só encontrou escombros. A superstição e o misticismo acompanhariam o escritor por toda a vida.

Guimarães Rosa nos tempos de Cônsul na Alemanha (Foto: Blog das Letras)

Permanece no país até 1942, quando o Brasil rompe com a Alemanha, sendo retido por quatro meses na cidade de Baden-Baden, junto a outros brasileiros, sendo libertados em troca de diplomatas alemães.

O Diplomata é um sonhador que acredita poder remediar o que os políticos estragam.

Retornando ao Brasil, após rápida passagem pelo Rio de Janeiro, o escritor segue para Bogotá, como Secretário da Embaixada, lá permanecendo até 1944.

Consulado brasileiro em Hamburgo. (Foto: Acervo Família Tess)

Em dezembro de 1945, depois de longa ausência retorna ao Brasil, dirigindo-se inicialmente, à Fazenda Três Barras, berço da família, e depois, à cavalo, rumou para Cordisburgo, onde se hospedou no tradicional Argentina Hotel, ao lado de sua antiga residência. O fato demonstra a conexão e sentimento que tinha com a cidade.

Em 1946, Guimarães Rosa é nomeado chefe-de-gabinete do ministro João Neves da Fontoura e vai a Paris como membro da delegação à Conferência de Paz.

 

Sagarana

(Foto: Reprodução/Internet)

Sagarana é o primeiro livre publicado pelo escritor. Este é o mesmo livro que participou do Prêmio Humberto de Campos, em 1937, conquistando o segundo lugar. Após refazer a obra, e reduzir de 500 para 300 páginas realizou sua publicação em 1946.

A obra garantiu-lhe um privilegiado lugar de destaque no panorama da literatura brasileira, pela linguagem inovadora, pela singular estrutura narrativa e a riqueza de simbologia dos seus contos. Com ele, o regionalismo estava novamente em pauta, mas com um novo significado e assumindo a característica de experiência estética universal: retrata a paisagem mineira, a vida das fazendas, dos vaqueiros e dos criadores de gado.

O primeiro conto do livro intitula-se “O burrinho pedrês”, inspirado em um fato acontecido na região em que Guimarães Rosa nasceu: o afogamento de um grupo de vaqueiros em um córrego cheio.

No segundo conto, “A volta do marido pródigo”, narra-se a história de um mulato que abandona o trabalho, negocia a própria mulher e vai para o Rio de Janeiro. Em “Sarapalha”, terceiro conto do livro, dois primos disputam a mesma mulher em uma região assolada pela malária.

No quarto conto, intitulado “Duelo”, tem-se a história de Turíbio, personagem que surpreende a mulher, Silvana, com o ex-militar Cassiano. Por engano, porém, ele mata o irmão desse amante.

“Minha gente” é o título do quinto conto, em que se narra, em primeira pessoa, uma história de amor contextualizada em um cenário movimentado pelo clima das eleições. No sexto conto, intitulado “São Marcos”, narra-se uma travessia pelo sertão, marcada pela descrição do cenário típico dessa paisagem brasileira.

Em “Corpo fechado”, sétimo conto de Sagarana, narra-se a história de Manuel Fulô, que ama mais sua mula de estimação do que a sua noiva, cobiçada por um valentão. Para salvar a noiva das garras do homem que a deseja, Manuel Fulô entrega a mula a um feiticeiro para fechar o seu corpo e enfrentar com sucesso seu adversário.

No oitavo conto, intitulado “Conversa de bois”, o leitor acompanha, por meio da narração, uma viagem de um carro de bois. O inusitado é que nesse conto os animais falam e raciocinam.

O último conto do livro, intitulado “Hora e vez de Augusto Matraga”, foi considerado pelo próprio autor como o melhor da seleção de nove contos que compõem a obra. O protagonista da narrativa, Augusto Matraga, é um homem truculento, poderoso e autoritário, espelho do típico homem que detém poder nas instâncias governamentais do Brasil.

Sucesso de crítica e público, seu livro de contos recebe o Prêmio da Sociedade Felipe d’Oliveira, esgotando-se, no mesmo ano as duas edições.

 

Vida Diplomática (II)

Guimarães Rosa ainda continuou atuando na vida diplomática após o sucesso de seu primeiro livro.

Em 1948, o escritor está novamente em Bogotá como Secretário-Geral da delegação brasileira à IX Conferência Inter-Americana; durante a realização do evento ocorre o assassinato político do prestigioso líder popular Jorge Eliécer Gaitán.

De 1948 a 1950, o escritor encontra-se de novo em Paris, respectivamente como 1º Secretário e Conselheiro da Embaixada. Em 1951 é novamente nomeado Chefe de Gabinete de João Neves da Fontoura.

 

Futebol e o Poema Perdido

Em 1950, o Clube Atlético Mineiro foi a primeira equipe de futebol de Minas Gerais e uma das primeiras do Brasil a competir no continente europeu, sendo conhecido como “Campeão do Gelo” por jogar em condições adversas de temperatura.

O empresário que cuidava da excursão sumiu com todo o dinheiro da arrecadação, e sem passagens para voltar ao Brasil, nem onde ficar, recorreram à Embaixada de Paris.

Delegação atleticana sendo recebida na embaixada de Paris (Foto: Centro Atleticano de Memória)

O primeiro secretário João Guimarães Rosa não só os recebeu como se declarou atleticano, realizando um discurso à delegação, onde exaltava a equipe mineira, relatando grande atletas e esquadrões e se referindo como “Nosso Atlético”. Teria ele escrito também um poema em homenagem à equipe, perdido desde então.

Segundo o atleta Vavá, foi o próprio escritor que tratou de tudo – desde as reuniões até a negociação para conseguir, do Governo brasileiro, os bilhetes para o retorno a Belo Horizonte.

Na despedida, a Embaixada ofereceu uma recepção em homenagem ao escrete mineiro, com duas atrações: uma feijoada e uma cantora recém descoberta: Edith Piaf . O evento foi amplamente noticiado pela imprensa francesa.

 

Com o Vaqueiro Mariano

Retorna ao Brasil em 1951. No ano seguinte, faz uma excursão ao Mato Grosso. O resultado é uma reportagem poética: Com o vaqueiro Mariano, publicada no Correio da Manhã.

O narrador, que se mostra apenas pela voz, relata os dias em que acompanha o Vaqueiro Mariano na sua labuta diária com o gado no pantanal mato-grossense. Ele narra as dificuldades que se apresentam durante a viagem: o desgarrar das vacas bravas, dos bois mansos que se embravecem de uma hora para outra.

 

Excursão de 1952

(Foto: Aventuras na História/UOL)

Aos 44 anos, em Maio de 1952, trocou o terno e a gravata borboleta pela jaqueta e o chapéu de couro, viajando em busca de inspiração literária.

Já estava acostumado com as andanças pelo interior mineiro, mas desta vez acompanharia um grupo de tropeiros da fazenda Cirga, propriedade do seu primo Chico Moreira em Três Marias, até a fazenda São Francisco, em Araçaí, passando por sua terra natal Cordisburgo, num percurso de dez dias.

A comitiva levaria 300 cabeças de boi por 240 quilômetros de trilha, atravessando pastos, beiras de estradas, casinhas de pau a pique, buritis e discretos cursos d´água.

“Creio que será uma excursão interessante e proveitosa, que irei fazer de cadernos abertos e lápis em punho, para anotar tudo o que possa valer, como fornecimento da cor local, pitoresco e exatidão documental, que são coisas muito importantes na literatura moderna”, escreve o autor, meses antes, em carta para seu pai.

(Foto: Aventuras Na História/UOL)

Assim como os outros, acompanhava a boiada, tomava banho em córrego, acendia o cigarro num toco de madeira em brasa e pousava no improviso das fazendas, chegando a pernoitar dentro de uma forma de rapadura. Os registros fotográficos da viagem foram feitos pelo fotógrafo Eugênio Silva, da antiga revista O Cruzeiro.

Para anotar impressões e as histórias que ouvia, Rosa utilizou sete cadernetas, todas preenchidas com observações detalhistas sobre a paisagem mineira e seus animais, as cantorias de violas, os nomes de plantas e flores, o significado de hábitos, expressões e o modo de falar dos vaqueiros.

Rosa durante o almoço com os vaqueiros (Foto: Aventuras na História/UOL)

Quando retornou ao Rio de Janeiro, o escritor datilografou todo esse material, separando o conteúdo por temas. As anotações reunidas virariam dois diários, batizados pelo autor de “A Boiada 1” e “A Boiada 2”.

Em entrevista, Guimarães Rosa perguntou ao jornalista Pedro Bloch:

“Você conhece os meus cadernos, não conhece? Quando eu saio montado num cavalo, por minha Minas Gerais, vou tomando nota de coisas. O caderno fica impregnado de sangue de boi, suor de cavalo, folha machucada. Cada pássaro que voa, cada espécie, tem voo diferente. Quero descobrir o que caracteriza o voo de cada pássaro, em cada momento. Não há nada igual neste mundo. Não quero palavra, mas coisa, movimento, voo”.

 

Vida Diplomática (III)

Em 1953 torna-se Chefe da Divisão de Orçamento e em 1958 é promovido a Ministro de Primeira Classe (cargo correspondente a Embaixador).

 

Corpo de Baile

(Foto: Reprodução/Internet)

Em Janeiro de 1956, lança o livro de novelas Corpo de Baile, onde continua a experiência iniciada em Sagarana. A obra é composta originalmente de dois volumes com sete novelas. Na segunda edição, o livro foi publicado em volume único e, em edições posteriores, o autor dividiu-o em três livros menores.: Manuelzão e Miguilim, com as novelas Campo Geral e Uma história de amor; No Urubuquaquá, no Pinhém, com as novelas O recado do morro, Cara-de-bronze e A história de Lélio e Lina e Noites do Sertão, com as novelas Dão-Lalalão e Buriti.

Campo Geral narra a história de Miguilim, uma criança de 8 anos de idade que mora no Sertão na Mutum, em uma casa simples com seus pais, irmãos e outros parentes. O tema central da obra é o amadurecimento da criança, que passa por uma série de experiências em sua infância que ajudam na construção do homem que ele se tornará no futuro. Esse crescimento é feito por meio de dores, perdas e problemas familiares e personifica um rito de passagem entre a infância e a vida adulta.

Uma Estória de Amor narra os preparativos para uma festa e a própria festa, idealizada por Manuelzão para consagrar uma capela por ele construída. A festa e seus preparativos são a base, mas a parte principal da narrativa são os pensamentos, sentimentos e lembranças de um velho vaqueiro que vê com preocupação a chegada do fim.

O Recado do Morro descreve uma viagem pelo sertão, da região central de Minas até o Rio São Francisco. Caminham em tropa um naturalista estrangeiro, um religioso e um letrado. À frente deles, dois homens do interior mineiro, conhecedores da região e do sertão, servem como guias. A trama irá opor os dois homens simples, por meio de uma emboscada de morte, que trará àquele espaço uma nova configuração.

Cara-de-bronze é a história de um rico fazendeiro, que vive fechado em sua propriedade, rodeado de vaqueiros, que são seu único canal de comunicação com o mundo. Ele se esconde, porque pensa ter assassinado o próprio pai, mas descobre quarenta anos depois que o pai tinha caído, porque estava sob o efeito do álcool e não atingido pela bala de seu revólver. Sozinho, perto da morte, pede a Grivo, seu mais fiel vaqueiro que vá procurar numa longa viagem a essência da vida, “o quem das coisas”. O que ele queria era receber do Grivo os relatos de seu tempo perdido.

Em A Estória de Lélio e Lina, um vaqueiro ansiando por uma mulher chega à Fazenda Pinhém, e com a senhora, dona Rosalina, Lélio estabelece uma sincera e profunda amizade, confessando suas paixões, Lélio recebe de Lina respostas a perguntas ainda não formuladas. O vaqueiro resgata o antigo desejo por uma moça ainda distante e parte novamente à sua busca, integrando interiormente um ideal a sua própria realidade.

Em Dão-Lalalão, Soropita e Doralda vivem e experimentam um amor carnal, perfeito, esponsal, que lhes permite alcançar a perfeição do desejo. O desejo não é desrito como obstáculo ou limite à perfeição da alma, nem como separação entre o corpo impuro e o espírito afastado do corpo, mas como saudade última de bem, de satisfação, de radicalização da realidade.

Buriti narra a história de Miguel, adulto, formado em medicina veterinária, que, depois de morar muitos anos na cidade, retorna à fazenda “Buriti Bom” para trabalhar. O dono da fazenda era um homem rico, machista e dominador. Ele era pai de Glória e sogro de Lalinha, moça citadina, que se vê prisioneira do sertão. A sexualidade das duas se aguça na medida em que elas se encontram com Miguel nos campos rodeados de buritizais. O sertão faz desabrochar os desejos mais ocultos das personagens. O Buriti se torna símbolo do desejo e do amor.

 

Grande Sertão: Veredas

(Foto: Obras de Arte)

Grande Sertão: Veredas é o único romance escrito por Guimarães Rosa e um dos mais importantes textos da literatura brasileira. A obra é elogiada pela linguagem e pela originalidade. Lançado em Maio de 1956, é considerada uma das mais significativas obras da literatura brasileira. Chama atenção por sua dimensão – mais de 600 páginas – e pela ausência de capítulos. Por ser uma narrativa onde a experiência de vida e a experiência de texto se fundem numa obra fascinante, sua leitura e interpretação constituem um constante desafio para os leitores.

O texto foi traduzido para dezenas de línguas e recebeu diversos prêmios como o Machado de Assis, do Instituto Nacional do Livro; o Carmen Dolores Barbosa, de São Paulo; e o Paula Brito, do Rio de Janeiro. A publicação faz com que Guimarães Rosa seja considerado uma figura singular no panorama da literatura moderna, tornando-se um “caso” nacional. Ele encabeça a lista tríplice, composta ainda por Clarice Lispector e João Cabral de Melo Neto, como os melhores romancistas da terceira geração modernista brasileira.

“O senhor… Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam.”

Riobaldo é o protagonista do romance, o personagem-narrador que apresenta um relato sobre sua vida, desde seus medos, amores, traições, dentre outros. De tal maneira, faz uma autorreflexão sobre sua vida ao descrever além dos acontecimentos, a paisagem do sertão, a um doutor que recentemente chegou na fazenda em que vive. Com a morte de sua mãe, passou a viver com seu padrinho, Selorico Mendes, na fazenda São Gregório; mais tarde ele descobrirá que Selorico é seu verdadeiro pai. Por conseguinte, na fazenda conhece o bando de jagunços de Joca Ramiro. Mais adiante, conhece Reinaldo, jagunço do bando, que mais tarde revela ser Diadorim, seu grande amor.

“O diabo existe e não existe. Dou o dito. Abrenúncio. Essas melancolias. O senhor vê: existe cachoeira; e pois? Mas cachoeira é barranco de chão, e água caindo por ele, retombando; o senhor consome essa água, ou desfaz o barranco, sobra cachoeira alguma? Viver é negócio muito perigoso…”

 

“Viver é muito perigoso… Querer o bem com demais força, de incerto jeito, pode já estar sendo se querendo o mal, por principiar. Esses homens! Todos puxavam o mundo para si, para o concertar consertado. Mas cada um só vê e entende as coisas dum seu modo.”

Riobaldo foca sobretudo, no seu amor impossível, Diadorim, e na existência de Deus e do Diabo. Por meio de uma narrativa não linear, ou seja, labiríntica e espontânea, é narrado as divagações de Riobaldo, que descreve as personagens que compõem a obra e ainda, as lutas entre os bandos de jagunços, o conflito com o bando de Zé Bebelo e a morte de Joca Ramiro.

“Com Deus existindo, tudo dá esperança: sempre um milagre é possível, o mundo se resolve. Mas, se não tem Deus, há-de a gente perdidos no vaivem, e a vida é burra. É o aberto perigo das grandes e pequenas horas, não se podendo facilitar – é todos contra os acasos. Tendo Deus, é menos grave se descuidar um pouquinho, pois no fim dá certo. Mas, se não tem Deus, então, a gente não tem licença de coisa nenhuma! Porque existe dor.”

Em maio de 2002, o Clube do Livro da Noruega, entidade que congrega editores noruegueses, incluiu Grande Sertão: Veredas em sua lista dos cem melhores livros de todos os tempos – único brasileiro entre 100 escritores de 54 países.

“Fui fogo, depois de ser cinza. Ah, algum, isto é que é, a gente tem de vassalar. Olhe: Deus come escondido, e o diabo sai por toda parte lambendo o prato…”

A grandiosidade de Grande Sertão: Veredas pode ser exemplificada pelas interpretações, que a abordam sob os mais variados pontos de vista, sem jamais deixar de ressaltar a capacidade e a confiança do autor ao ser inventivo. Extremamente erudito, Rosa incorporou em sua obra aspectos das mais diferentes culturas. Disse uma vez que “para estas duas vidas [viver e escrever], um léxico só não é suficiente”.

 

Problemas de Saúde

A partir de 1958, o autor começa a apresentar problemas de saúde e estes seriam, na verdade, o prenúncio do fim próximo, tanto mais quanto, além da hipertensão arterial, o paciente reunia outros fatores de risco cardiovascular como excesso de peso, vida sedentária e, particularmente, o tabagismo. Era um tabagista contumaz e embora afirme ter abandonado o hábito, em carta dirigida ao amigo Paulo Dantas em dezembro de 1957, quando recebia do governador Israel Pinheiro a Medalha da Inconfidência, aparece com um cigarro na mão esquerda. A propósito, na referida carta, o escritor chega mesmo a admitir, explicitamente, sua dependência da nicotina:

… também estive mesmo doente, com apertos de alergia nas vias respiratórias; daí, tive de deixar de fumar (coisa tenebrosa!) e, até hoje (cabo de 34 dias!), a falta de fumar me bota vazio, vago, incapaz de escrever cartas, só no inerte letargo árido dessas fases de desintoxicação. Oh coisa feroz. Enfim, hoje, por causa do Natal chegando e de mais mil-e-tantos motivos, aqui estou eu, heróico e pujante, desafiando a fome-e-sede tabágica das pobrezinhas das células cerebrais. Não repare.

Coincidindo com os distúrbios cardiovasculares que se evidenciaram a partir de 1958, Guimarães Rosa parece ter acrescentado a suas leituras espirituais publicações e textos relativos à Ciência Cristã (Christian Science), seita criada nos Estados Unidos em 1879 por Mrs. Mary Baker Eddy e que afirmava a primazia do espírito sobre a matéria , negando categoricamente a existência do pecado, dos sentimentos negativos em geral, da doença e da morte.

Em 1958, Guimarães Rosa viaja para Brasília, capital em construção, e escreve para os pais:

Em começo de junho estive em Brasília, pela segunda vez lá passei uns dias. O clima da nova capital é simplesmente delicioso, tanto no inverno quanto no verão. E os trabalhos de construção se adiantam num ritmo e entusiasmo inacreditáveis: parece coisa de russos ou de norte-americanos”… “Mas eu acordava cada manhã para assistir ao nascer do sol e ver um enorme tucano colorido, belíssimo, que vinha, pelo relógio, às 6 hs 15, comer frutinhas, na copa da alta árvore pegada à casa, uma tucaneira, como por lá dizem. As chegadas e saídas desse tucano foram uma das cenas mais bonitas e inesquecíveis de minha vida.

Guimarães Rosa, chefe da Divisão de Fronteiras do Itamaraty (Foto: O Barão)

Em janeiro de 1962, assume a chefia do Serviço de Demarcação de Fronteiras, cargo que exerceria com especial empenho, tendo tomado parte ativa em momentosos casos como os do Pico da Neblina (1965) e das Sete Quedas (1966). Em 1969, em homenagem ao seu desempenho como diplomata, seu nome é dado ao pico culminante (2.150 m) da Cordilheira Curupira, situado na fronteira Brasil/Venezuela. O nome de Guimarães Rosa foi sugerido pelo Chanceler Mário Gibson Barbosa, como um reconhecimento do Itamarati àquele que, durante vários anos, exerceu a chefia do cargo da Chancelaria Brasileira.

 

Primeiras Estórias

(Foto: Reprodução/Internet)

Em 1962, é lançado Primeiras Estórias, livro que reúne 21 contos pequenos. Nos textos, as pesquisas formais características do autor, uma extrema delicadeza e o que a crítica considera “atordoante poesia”.

O autor busca recuperar na escrita, a fala das personagens do sertão mineiro; a poesia presente nas imagens, sons e estruturas de uma linguagem que está à margem da norma estabelecida pelos padrões urbanos.

Em As margens da alegria, Guimarães Rosa coloca-nos diante de um Menino que, na sua lenta descoberta do mundo, transforma tudo o que lhe passa diante dos olhos em experiência de dor e alegria, vida e morte. Essa aprendizagem se dá a partir da relação direta com a natureza em toda a sua dinâmica, para a qual o Menino volta um olhar sem reservas, cheio de admiração.

Em Famigerado um médico do interior recebe a visita de quatro cavaleiros rudes do sertão. Seu líder, Damásio, conhecido assassino da região, quer que o doutor, pessoa letrada do lugar, o esclareça a respeito do significado da palavra “famigerado”, pois ouviu esta palavra de um moço do governo. Podemos opor o poder da força, Damásio, ao poder da instrução, do conhecimento médico. Caso o médico tivesse revelado o sentido dicionarizado do termo, estaria, por certo, infligindo uma sentença de morte ao moço do governo.

Sorôco, sua mãe, sua filha narra a partida de mãe e filha loucas no trem. Sorôco tentou ficar com as duas ao seu lado, mas não foi possível. Tomou a decisão mais difícil de sua existência: interná-las. O conto tem uma temática triste, trabalha com o sentido circular de passar a angústia do personagem Sorôco com sua solidão e desespero ao ter que deixar ir para longe as únicas pessoas que tem no mundo, ficando mais solitário ainda. Tudo gira em torno da separação, da perda, da ausência e da distância.

A Menina de lá conta a história de Maria, ou “Nininha” que com seus nem quatro anos,  ficava sempre sentada em um canto, e ninguém entendia muito bem o que ela dizia. Era sensitiva, dotada de contatos místicos, poderes paranormais: seus desejos, por mais estranhos que fossem sempre se realizavam. A menina começa a falar mais, e coisas estranhas começam a acontecer. Seus poderes começam a dar uma mostra de maior intensidade quando a menina cura a doença de sua mãe e também quando ela atende o pedido de seu pai e faz chover. Nininha adoece e morre pouco tempo depois. Tiântonia explica que a menina tinha falado que queria um caixãozinho cor-de-rosa, com enfeites verdes brilhantes. Os pais discutem se deveriam ou não encomendar o caixão como a filha havia solicitado.

Os Irmãos Dagobé confirma a ideia popular de que Deus escreve certo por linhas tortas. Damastor Dagobé, bandido extremamente feroz, foi surpreendentemente assassinado por um sujeito aparentemente fraco, Liojorge, pressionado por legítima defesa. É em meio ao velório que o narrador se coloca, para captar mais vivamente a reação das pessoas presentes, todos com inúmeras conjecturas sobre como será a vingança dos irmãos Dagobé. Liojorge, querendo deixar claro que havia matado com respeito e que queria estar na presença dos irmãos, para mostrar sua boa vontade. Se isso já deixou todos sobressaltados, muito mais quando se fica sabendo que o bom moço queria ajudar a carregar o caixão de Damastor. Parecia que o medo havia feito do rapaz um maluco. Enterrado Damastor, seus irmãos agradecem a atenção dos acompanhantes, mostram compreensão em relação a Liojorge e reconhecem que o falecido, em vida, era mesmo muito ruim.

A Terceira Margem do Rio conta a história de um homem que evade de toda e qualquer convivência com a família e com a sociedade, preferindo a completa solidão do rio, lugar em que, dentro de uma canoa. Por contradizer os padrões normais de comportamento, ele é tido como um desequilibrado. O narrador-personagem é seu filho e relata todas as tentativa da família, parentes, vizinhos e conhecidos de estabelecer algum tipo de comunicação com o solitário remador. Contudo o pai recusa qualquer contato. A escolha do isolamento no rio instiga permanentemente o filho. Este é levado a questionar o próprio existir humano.

Pirlimpsiquice é a história de onze ou doze crianças que estão ensaiando uma peça, Os Filhos do Dr. Famoso, para ser encenada diante da escola. É notável como crianças, símbolo da liberdade, agem no rigor dos ensaios constantes. O pior é que um grupo de crianças, ficou de fora de todo esse processo e começa a espalhar que tem conhecimento da obra que os meninos ensaiam tão em segredo. Então, como disfarce, os atores criam uma terceira história. Tudo perfeitamente programado, mas em cima da hora o Ataualpa, quem iria abrir a peça, tem um parente que está para morrer e, por isso, precisa ir embora. Quem assume o seu lugar é o narrador, que sabia todas as falas de cor, no entanto, na estreia é que perceberam que a peça devia ser aberta por um poema conhecido só pelo Ataualpa. O narrador fica parado, sem saber o que fazer. A gafe é paga com vaias monstruosas. A situação é salva por Zé Boné, garoto limítrofe que teve sua participação limitada a um papel sem fala. Inesperadamente começa a encenar a própria peça do Gamboa, no que é seguido pelos demais garotos, como se estivessem num transe, que se transfere para a plateia, paralisando-a. Esse transe coletivo pode ser entendido como o poder da Arte.

Nenhum, nenhuma mostra A procura pelos fatos da infância que passaram e passam-se, constituindo uma tentativa de descobrir uma verdade misteriosa e inacessível, que se articule e modifique o presente, lançando novas luzes ao futuro. Narra em primeira pessoa, com a cumplicidade explícita de sua memória, uma das personagens principais dessa história, tentando também compreender os dilemas que envolvem a aproximação da morte. O narrador rosiano caminha como se estivesse perdido no labirinto de suas lembranças, encontrando as saídas após um árduo e doloroso esforço. Ao longo de sua odisséia, ele enfrenta a tensão entre a memória e o esquecimento, no resgate do passado, que não retorna em sua pureza original, mas é fruto de uma singular seleção dos fatos lembrados.

Fatalidade contrapõe o poder da autoridade ao poder do homem comum, submetido às leis e tematiza, em última instância, a violência arbitrária existente no sertão. Trata-se da história de Zé Centeralfe, que vive acochado, pois sua esposa desonrosamente está sendo cortejada por um facínora, Herculinão. O casal, para evitar problemas, mudou-se, mas o bandido segue-os. Mudam-se então para a cidade, onde deveria haver lei, ordem, segurança, mas continuam sendo seguidos. É por isso que o pobre homem vai pedir ajuda ao delegado. A intenção é obter o apoio da justiça dos homens. No entanto, é induzido a outro tipo de moral. Aparentemente, é a justiça pelas próprias mãos, pois o delegado convence Centeralfe, apenas com o olhar, a pegar as armas. Assim que saem, encontram Herculinão, que é assassinado com um tiro no peito (coração) e outro na cabeça (mente).

Sequência traz a história de uma busca. Essa busca é, a princípio, material pois que um rapaz vai procurar uma vaca desgarrada do rebanho mas, no decorrer da trama, transforma-se numa busca espiritual em que a vaca transforma-se em uma ponte entre o mundo material e o espiritual. Volta a deparar com a força do destino, dentro da concepção roseana: um vaqueiro saindo à procura de um animal extraviado não percebe que está indo ao encontro da pessoa amada. Como se, na vida, o próprio acaso, tecido de erros e enganos, de repente, sem razão aparente, iluminasse o caminho certo entre os muitos descaminhos da vida.

Em O Espelho, o narrador, em primeira pessoa, conta de sua luta para provar a falta de lógica e de sentido do mundo. Diante de um espelho, foi descobrindo com o passar dos dias a mentira que é a aparência humana. Num processo de “desimaginar-se”, vai verificando que o homem, como todas as coisas, não passa de uma metáfora. No limite do absurdo, ele chega a ver sua “forma invisível”. O tema da identidade é tratado através da metáfora do ato de se ver e se reconhecer no reflexo dos espelhos.

Nada e a Nossa Condição mostra Tio Man’Antônio que depois de casado resolve doar quase tudo que tem àqueles que trabalham com ele. É a iluminação: os haveres materiais de nada valem para ele. A morte do protagonista provoca uma mudança de atitude por parte dos agregados, pois esses são tomados pelo medo. Se antes o desprezavam, depois de sua morte passam a envolvê-lo numa aura de santidade. Isso ocorre porque temem a justiça divina quer, para castigá-los por seu ódio infundado, poderia alterar seus destinos, fazendo com que desgraças se abatessem sobre eles. A execução do ritual de adoração tem duplo objetivo: obter o perdão divino e restituir-lhes a paz de espírito.

O Cavalo que Bebia Cerveja enfoca os horrores e a desagregação trazidos pela guerra, mostrando que o sertão se torna também lugar de homens refugiados, perseguidos e sós. Reivalino Belarmino conta a história do esquisito italiano Giovânio, ex-combatente de guerra, que vivia isolado numa chácara com seus cães, entre os quais se destaca Mussolino. O narrador, seu empregado, sente aversão por este homem de estranhos hábitos. Além de não tomar banho, vive fungando e sempre pede cerveja “para o cavalo”. Ao morrer, Giovânio deixa a chácara para Reivalino, que ajeita a propriedade a e vende. Antes, bebe todas as cervejas que restam, em memória do amigo.

Um Moço Muito Branco traz um personagem que revela aos outros o que eles têm em si mesmos, e que raramente é tocado. Este personagem, caracterizado por ser muito branco é responsável pela mudança da perspectiva de vida das pessoas do lugar. A chegada do moço, cuja procedência permanece desconhecida até o final do conto, coincide com a ocorrência de uma série de fenômenos naturais. Isso, somado ao inusitado de seus traços individuais, a seu estranho desaparecimento e ao fato de que todos se transformam diante de sua presença, aproxima sua imagem à de um ser especial, enviando de outro planeta ou do plano divino.

Luas-de-mel pode ser interpretada como ilustração para a ideia de que em meio a situações corriqueiras, banais, é possível viver fortes emoções e grandes amores. É o que ocorre com Joaquim Norberto e Sa-Maria Andreza, velho casal acostumado com a vida pacata da fazenda Santa-Cruz-da-Onça e que tem a mesmice de sua vida quebrada pelo pedido do Coronel Seotaziano de proteção a um casal que quer casar-se, contrariando a decisão da família da moça. A chegada do casal provoca duas consequências: cria uma expectativa tensa de um combate, o que faz todos ficarem armados, até o padre, que viera celebrar o matrimônio. Gera, também, o renascer do amor em Joaquim Norberto e sua esposa Sa-Maria Andreza.

A Partida do Audaz Navegante desenvolve duas narrativas absolutamente simétricas e correspondentes, a do narrador onisciente e a de Brejeirinha sobre as mesmas personagens e ações, Zito, a namorada, a separação e o reencontro. A intenção é privilegiar a linguagem e o universo infantil, seus jogos e brincadeiras.

A Benfazeja tem como protagonista a Mula-Marmela, mulher caracterizada como “furibunda de magra, de esticado esqueleto, e o se sumir de sanguexuga, fugidos os olhos, lobunos cabelos, a cara (…) o queixo trêmulo (…) a selvagem compostura”. O narrador está determinado a convencer a todos que Mula Marmela, mulher estéril, sem nome cristão, dotada de linguagem antiga, não é uma personagem maldita como sempre fora apregoado. Sua função fora benfazeja, pois eliminara dois personagens sedentos por sangue: seu companheiro Mumbungu e o filho deste, Retrupé, que chegou até a ser cegado pela madrasta para deter seu espírito maligno.

Darandina dispõe sobre a loucura: uma pessoa comum que, por isso, consegue realizar uma façanha que espanta a todos os viventes e espectadores de um dia comum: escala, sem dificuldade alguma, uma palmeira e se instala no seu topo, resistindo a todas as tentativas que se fizeram para arrancá-la de lá. As consequências desse fato inusitado são as mais diversas, mas o principal é que se chega à conclusão de que faltam conceitos para explicá-lo. Sua maluca subida mostra uma confusão que a personagem faz entre plano denotativo (sair do chão, ao pé da letra) e plano conotativo (sair do chão no sentido de buscar a transcendência).

Substância apresenta uma bela metáfora sobre a pureza de sentimento decorrente da retidão e do sofrimento. Há trabalho incessante, e o cotidiano de uma menina dedicada a bater o polvilho, num movimento incansável, é descrito nos planos objetivo e subjetivo. No enredo, vemos a descrição do trabalho, da lida e da luta pela sobrevivência, e temos um valioso retrato dos costumes de uma comunidade que tem como uma das formas de subsistência o fabrico e o depuramento do polvilho, bem como as condições precárias e primitivas em que este trabalho é realizado.

Tarantão, Meu Patrão é a estória de um “louco-iluminado”, o Iô Jão-de-Barros-Dinis-Robertes, narrada em primeira pessoa por Vagalume, ajudante-de-ordens do protagonista e encarregado de cuidar dele, que, envelhecido, era dado a doideiras e desatinos.  É a história de um velho que já fora mandão e que tinha sido afastado da família, por causa de sua caduquice – que já pode ser vislumbrada de início pelo costume da personagem de usar botas desiguais. Vagalume tem a função de cuidar do idoso, mas se vê em apuros, já que o ancião tem um surto e, armado de uma velha faca de cozinha enferrujada, parte numa busca maluca para se vingar de um médico que o havia feito sofrer com aplicação de remédio e lavagem intestinal.

Os cismos é retomado o mesmo tema de A margem da Alegria: a descoberta do mundo, de sua magia, dos ritos da tristeza e da alegria, dos ritos da travessia e de superação do medo a e da dor. O protagonista é o mesmo Menino, da primeira estória, agora em sua segunda viagem. Dividido em quatro partes, a saber, I – O Inverso Afastamento; II – Aparecimento do Pássaro; III – O Trabalho do Pássaro e IV – O Desmedido Momento, principia em sentido inverso da As Margens da Alegria: por causa da doença de sua mãe, o Menino é enviado à fazenda do tio (o mesmo do primeiro conto). O ponto final de As Margens da Alegria é o início de Os Cimos: a morte. Porém, o menino faz, aqui, sua viagem não mais no feliz, mas na agonia, pois sua Mãe corre um sério risco de morrer. O menino parece inconscientemente sentir que se ligar fortemente às coisas é ruim, tanto que sua agonia é crescente. Parece não querer mais querer. Querer é apegar-se. Apegar-se é sofrer.

 

Eleição para a Academia Brasileira de Letras

Em maio de 1963, Guimarães Rosa candidata-se pela segunda vez à Academia Brasileira de Letras (a primeira fora em 1957, quando obtivera apenas 10 votos), na vaga deixada por João Neves da Fontoura. A eleição dá-se a 8 de agosto e desta vez é eleito por unanimidade. Adiou a posse sine die, por medo das fortes emoções que teria no momento.

 

Livros em parceria

(Foto: Skoob)

Em 1964, participou da escrita do romance policial O Mistério dos MMM, editado por João Condé, um dos nossos mais famosos exemplos de “round-robin”, romance em que cada autor escreve um capítulo. Dez autores escrevera sobre a história de um crime violento durante o Carnaval, no apartamento de um milionário em Copacabana, onde três mulheres não identificadas, cujos nomes começam pela mesma letra foram assassinadas. Os capítulos, eram publicados semanalmente em O Cruzeiro, posteriormente virando livro.

Rosa contribuiu com uma detetive, a Tia Maria, que tem com o comissário Dr. Brasil. A personagem foi adotada pelos autores dos capítulos finais, e traz uma certa ajuda para o delegado Rocha Novais, o velho investigador Soares e o próprio Dr. Brasil, que no auge do desespero com a investigação que não progride desabafa com a melhor frase do livro: “Esse negócio de crime devia ser proibido!”.

(Foto: Reprodução/Internet)

Ainda no mesmo ano,  participou do livro “Os sete pecados capitais”, onde cada escritor escreveu sobre um pecado. À Guimarães Rosa coube escrever sobre a Soberba, no capítulo inaugural e mais importante da obra que, com o título “Os chapéus dos transeuntes”, ilustra a soberba na figura de um moribundo e sua numerosa família à sua volta, com muitos retornando à sua casa no interior do país para enterrá-lo. Ecoando o Grande sertão: veredas, Rosa brinca com seu “nonada” inicial começando com uma variação: “De antemão: – Não.” Outra das suas se dá quando, ao descrever o personagem, diz dele que, “de tão egocêntrico, ele se colecionava.”. No decorrer da narrativa o moribundo morre, renasce e novamente morre descrito pelo narrador seu neto que se descreve como “nós outros, os Dandrades Pereiras Serapiães, anchos em feliz fortuna e prosápia, como as uvas que num cacho se repimpam”.

 

Vida de Escritor

Em janeiro de 1965, participa do Congresso de Escritores Latino-Americanos, em Gênova. Como resultado do congresso ficou constituída a Primeira Sociedade de Escritores Latino-Americanos, da qual o próprio Guimarães Rosa e o guatemalteco Miguel Angel Asturias foram eleitos vice-presidentes.

Carlos Drummond, Guimarães Rosa e Manuel Bandeira (Foto: Blog das Letras)

Em abril de 1967, Guimarães Rosa vai ao México na qualidade de representante do Brasil no I Congresso Latino-Americano de Escritores, no qual atua como vice-presidente. Na volta é convidado a fazer parte, juntamente com Jorge Amado e Antônio Olinto, do júri do II Concurso Nacional de Romance Walmap que, pelo valor material do prêmio, é o mais importante do país.

 

Tutaméia

(Foto: Reprodução/Internet)

Em meados de 1967, publica seu último livro: Tutaméia. O livro foi esboçado sumariamente para conter contos curtos e que fossem acessíveis à publicação em revistas. É o livro que formula os contos mais curtos da obra de Guimarães Rosa. O título Tutaméia, segundo Paulo Rónai “no Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa encontramos tuta-e-meia definida por mestre Aurélio como ninhada, quase nada, preço vil, pouco dinheiro.”

Tutaméia foi uma nova efervescência no meio literário, novo êxito de público, dividindo a crítica. Uns vêem o livro como “a bomba atômica da literatura brasileira”; outros consideram que em suas páginas encontra-se a “chave estilística da obra de Guimarães Rosa, um resumo didático de sua criação”.

Tutaméia recebe o subtítulo Terceiras estórias, porém até o momento o autor só havia publicado a coletânea Primeiras Estórias, há um salto então. Fica então um eterno ponto de interrogação do que poderia ser as Segundas Estórias. Tutaméia possui uma característica interessante, o livro possui dois sumários, sendo no primeiro apresentando Tutaméia (terceiras estórias), no final do livro o título do sumário é posto em revés: Terceiras Estórias (tutaméia). O livro é composto por quatro prefácios. Sendo que cada prefácio são postos no bojo do livro, intercalando leitura e reflexão. Nesses prefácios, Guimarães dialoga com o leitor sob a voz de um pseudo-autor.

Nas 40 histórias, o enredo é muito tênue. A história, fica apenas a vida a expor-se, a entremostrar, neste painel de ‘tutaméias’, fazendo com que os leitores tenham flashes sobre determinadas situações que o leitor atento deve captar e, pelo raciocínio, completar, dando-lhe continuidade. Há, portanto, em todo o livro, um movimento de solicitar a participação efetiva do leitor.

 

Posse na Academia Brasileira de Letras

Guimarães Rosa em seu discurso de posse na ABL (Foto: Templo Cultural Delfos)

Depois de quatro anos de adiamento, resolveu assumir a cadeira na Academia Brasileira de Letras.

Rosa era médico, estava ciente de seus hábitos de fumante e sedentário, agravados pelo histórico de cardiopatia na família. Sabia que uma emoção mais forte poderia matá-lo, e a tão aguardada cerimônia de posse era um ensejo para isso. Também ouvira de um pai de santo com quem se correspondia em Minas Gerais que iria morrer no momento em que a fama do sobrenome Guimarães Rosa superasse a existência do indivíduo João. Ainda que estivesse relutante, amigos e familiares diziam que ele se preparava para o desenlace fatal.

Guimarães Rosa, assinando livro de posse na ABL (Foto: Templo Cultural Delfos)

Meses antes, o escritor chamou sua filha Vilma na sala que ocupava no Palácio do Itamaraty, no Rio de Janeiro, mostrando-lhe o cofre onde guardava documentos importantes, além dos doces de leite que levava de Minas. Lá haviam dois maços de papel, protegidos por capas de plástico transparente. Eram os originais dos livros Estas estórias e Ave, palavra, que estavam supostamente prontos à espera de publicação. Rosa deu ordens expressas à filha: “Se algo me acontecer, leve imediatamente ao editor José Olympio”.

Terceiro ocupante da Cadeira 2, eleito em 8 de agosto de 1963, na sucessão de João Neves da Fontoura e recebido pelo Acadêmico Afonso Arinos de Melo Franco em 16 de novembro de 1967.

 

Discurso de Posse

Guimarães Rosa, na posse na Academia Brasileira de Letras, entre Juscelino Kubitschek e Autrésilo de Athayde (Foto: O Barão)

O escritor faz seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras com a voz embargada. Parece pressentir que algo de mal lhe aconteceria.

Tamanho era seu amor por Cordisburgo, que o nome da cidade foi a primeira e última palavra pronunciada em seu discurso de posse.

Cordisburgo era pequenina terra sertaneja, trás montanhas, no meio de Minas Gerais. Só quase lugar, mas tão de repente bonito: lá se desencerra a Gruta do Maquiné, milmaravilha, a das Fadas; e o próprio campo, com vasqueiros cochos de sal ao gado bravo, entre gentis morros ou sob o demais de estrelas, falava-se antes: “os pastos da Vista Alegre”. Santo, um “Padre Mestre”, o Padre João de Santo Antônio, que recorria atarefado a região como missionário voluntário, além de trazer ao raro povo das grotas toda sorte de assistência e ajuda, esbarrou ali, para realumbrar-se e conceber o que tenha talvez sido seu único gesto desengajado, gratuito. Tomando da inspiração da paisagem a loci opportunitas, declarou-se a erguer ao Sagrado Coração de Jesus um templo naquele mistério geográfico. Fê-lo e fez-se o arraial, a que o fundador chamou “O Burgo do Coração”. Só quase coração – pois onde chuva e sol e o claro do ar e o enquadro cedo revelam ser o espaço do mundo primeiro que tudo aberto ao supra-ordenado: influem, quando menos, uma noção mágica do universo.

Mas, por “Cordisburgo”, igual, verve no sério-lúdico de instantes, me tratava, ele, chefe e o amigo meu, João Neves da Fontoura. – “Vamos ver o que diz Cordisburgo…” – com o riso arroucado, quente, dirigindo-se nem reto a mim, senão feito a escrutar sua presente sempre cidade natal, “no coração do Rio Grande do Sul”. Provinciano – no justo traço psicológico e moral, que não no social e político – buscasse, aqueles momentos, uma reinsuflação de lá, entre o aconselhamento. Dessa Cachoeira, que o formou, que ele constante amou, a que como Prefeito prestou devotado e afincado anos de vida, refazendo-a, e pronunciando-se ainda filho devedor, dela orgulhoso; como, pensando “rio-grandensemente”, diz ser o Rio Grande “orgulhosamente província”. Ribeiro Couto, saudoso mais hoje conosco, e que a ponto co-adotara o hipocorístico, de Belgrado vem vez me telegrafava: “Pouso Alto se embandeira e toca os sinos em honra de Cordisburgo”. João Neves, porém, nosso Embaixador e Chanceler – requerendo o interior e a província, onde firma residir ainda “a força do Brasil, especialmente nos maiores Estados”, reclamando seu trato como necessário para quem aspire a exercer qualquer notória influência, imputando às metrópoles levarem “ao diletantismo, à superficialidade, ao epicurismo”, e professando nada conhecer “que melhor exprima a vontade do povo em geral do que o povo municipal”, – entendíamos juntos, do modo, o País entrançado e uno, nosso primordial encontro seriam resvés íntimos efeitos regionais. Para Paris, escreveu-me: “Vi uma fotografia da entrega de credenciais do Carlinhos. Nela você aparece no fundo ostentando uma gravata de listas vivas, que tanto pode ser fabricação do Sulka, como comprada no armarinho da Main Street de Cordisburgo”. Via-me lento e desacostumado mineiro capiau, indeformado, ou o-quê, segundo seu avaliar, xará e caçula companheiro no sentir de homem lá-de-fora ou lá-de-dentro; isso nos concertava. Às quandas, equivocava-se e dava-me “Barbacena” – a sagaz e espiritual, onde, em tempos diversos, ambos residíramos gratamente, e tão-então não menos um nosso “lugar geométrico”. Por mim, frequente respondia-lhe topando topônimos. – “Cachoeira concorda?” – se bem que, no comum, o chamasse de “Ministro”. Escuto-o: – “E agora? Que há com Cordisburgo?”

– Muito, Ministro. Muita coisa…

De fim a fundo. Digo, conto o que de João Neves da Fontoura, por afortunada aproximação, me foi dado colher – o transordinário na experiência humana ordinária, ideia e impressão, singelo testemunho simples, do ato ao fato – na memória mais sentida. Para tanto, terei de à-pauta citar-me. Embora. No que refiro, sub-refiro-me. Não para a seus ombros aprontar minha biografia, isto é, retocar minha caricatura. Não eu, mas mim. Inábil redutor, secundarum partium, comparsa, mera pessoa de alusão, e há de haver que necessária. O espelho não porfia brilhar nem ser; mas, por de-fim, para usação, bem tem de relustrar-se. Direi.

Dele devo, por exemplo, datar o que recebi, com mãos menores. Da valia intelectual e dos rastros de cumprida vida pública – sua vasta capacidade inquieta, sua folha de batalhas, seus breves postos em poder e frementes empenhos de antagonista, seu inteiro atuar na política brasileira, tantas horas decisivo, tensa sua figura histórica – discorrem e esclarecerão, a olhos gerais, os anais, arquivos, livros, esplêndida informação autobiográfica. Esse o metal já amoedado – não permitido a alguma espécie de desaparecimento e esquecimento. Duvidemos, isto, dos que o não souberam compreender; a traça não pode com a alfazema. Tenho, sim, muito pouco, um tantésimo, um quantésimo. O que devo portar por fé.

Nem o que queria atinjo. Como redemonstrar a grandeza individual de um homem, mérito longuíssimo, sua humanidade profunda: passar do João Neves relativo ao João Neves absoluto? Sua perene lembrança – me reobriga. O afeto propõe fortes e miúdas reminiscências. Por essa mesma proximidade, tanto e muito me escapa; fino, estranho, inacabado, é sempre o destino da gente.

Vai para 40 anos; e era momento de juventude. Súbito, o povo guardava brado e gesto, um começo de começo. Foi a 5 de agosto de 1929. Aparecia para o Brasil, deste tamanho, um nome – o do destravador, servo dá palavra e de prender fogo. (João – que nem os Crisólogos, Crisóstomos, donde ouro qual tal: Fons Aurea, Fonte áuria, Fontoura; alvo – Neves – em nitidez). Davam os jornais, eco centelhar de fragmentos, sua fala na Câmara, de três horas, discurso-suma de toda uma esquipada: “… Vamos para o prélio aceso das urnas, e quiçá para o prélio sangrento das armas.” Vocava “uma crença nas forças imortais do espírito de renovação.” Reportava-nos os da altiva marca meridional, de rajadas, rasgos, verticalidade e ímpeto, robusta evolução cívica: … “os rio-grandenses, que traçaram as fronteiras da Pátria a ponta de lança e pata de cavalo…” – o gaúcho de brio e cerne ao ar livre. Trazia a Paraíba, valente em entono em sonância, “até às montanhas de Minas Gerais. Minas pacífica, Minas vitoriosa!” Tomamo-lo a tento. Ele ardia. Ia, no entreassomo, mas no eito do arremesso:

“Sonhava nesta geração bastarda
Glórias. . . e liberdade!
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
O gênio das pelejas parecia…”
– o de ÁLVARES DE AZEVEDO, no “Pedro Ivo”. Mas, de quem, então:

“A fronte envolta em folha de loureiro
Não a escondamos, não!”

Na convibração, no momento, comportávamos, nós outros, seja ou não, sobeja exaltação e fantasia. Seduzia-nos assim entanto, imantados, o pregador, o Orador por antonomásia – que acudira das assembleias de sua terra, politizada e parlamentária, sobressaído em quanto âmbito de acústicas e toda sorte de embates, medalhado já de fulgor e forma, desde as pugnas de estudante senhor da tribuna. Vinha-se mais de ouvi-lo, frente às artes-mágicas do fatual e retendo-o daí como haraldo de um futuro em faces limpas. Seu discurso – seus discursos “liberais” – rota de obrigação – trem e incessar de lumes. Neles podia-se experimentar não apenas a comensura de facúndia e talento: mas coragem, de cor, ânimo, de alma. Tive-o, imediato, antes que outro incorporando em si o movimento que arrancava. Todo o mais adiante foi confirmação. Graças por este sóbrio meu não desacerto.

Seguiu-se, meses altibaixos, o comando do líder, causa avançadora daquelas jornadas, que tangeram o remate da Primeira República. Reconhece-se e unânime refere-se que João Neves da Fontoura – promotor da inteligência com Minas e, a todo e próprio risco e quase rituar mística significação, com Minas firmador do pacto da Aliança – susteve e alentou, inarredado, infatigável, insobrossoso, o rojão da campanha até à revolução e o triunfo. Dele foi a representação em relevo. Dele se retraiu – modo algum por machuque em melindre, frustração ressentida ou rancor de ambição, sei-quê; senão por drástico realismo conforme desconfiado desencanto, – sempre operário todavia tentando servir a uma então impossível congraça ou enquistando-se na vigilância mais lúcida. Dele não desmentiu ao conspirar a pronta reconstitucionalização de um Brasil renovado na ordem democrática – e a sustentar, verbo, o glório São Paulo de 1932, para onde arriscara-se a abrir o arco, num mixe aviãozinho de aluguel, em expediente dramático qual leal declaração de firmeza e vivo audaz como labareda metáfora. Nem o denegriu, já depois no exílio, publicando-se desabusado acusador; menos ainda, mais tarde, ao repor-se com o Governo, porquanto flui, outro-e-outro, o rio humano, certo se no álveo do árduo de propósitos, e: quem pensa no Brasil, e no povo do Brasil, vezes quantas rebeija pedras e santos. Notável esse mirável João Neves. Voltava, em 35, remanente líder, à Câmara, da Minoria, de novo facho e voz.

Esta era uma vontade, frágil alta força.

“Orador, foi dos maiores senão o maior, do nosso tempo” – consigna Afonso Arinos de Melo Franco. Depõe: “João Neves da Fontoura… oriundo dos mais ilustres troncos sulinos… o fulgurante paladino de 1930… o mosqueteiro gaúcho… contou com um incomparável instrumento: a sua verdadeira e magnífica eloquência. João Neves chegara dos pagos com fama de temível orador. A brilhante campanha oratória de João Neves por esse tempo, que transformou, afinal, a oposição em revolução, não encontra talvez nada superior, e pouco haverá de comparável, em toda a história parlamentar do Brasil. Quantas vezes o vi e outras tantas o admirei.”

Por mim escutei-o sempre com alegria alertada. Ver era vê-lo partir a falar, sem manhas de virtuose que soberbas de ás, vezos nem rompante: cumprindo apenas correto informar o recado, propor sua pleita, dar conta. Ele, que meditava e redigia os discursos, drede botava-os sob contido arranjo, alinhando tópicos reflexivos, conceitual o pensamento, lisa correntia a linguagem, lhano o teor cogente. Lidos, pegavam logo disciplinada periodicidade e velocidade uniforme: nanja boleações, arrastos, retóricas ou vocais surpresas; por-pouco nenhum ornato. Sérias serenas as feições, também ele não se prometia em porte e aspecto; retreito de gestos, não mimava a jogo. A voz, antes desbrilhada, só insistência e volume, forjando-se hirta ou adensada se entornando, dados foscos subtons, tocava as frases num andamento ascendente quase invariado, sequência de pontuais cortes e simétricas modulações, homofônicas.

Então. E, em instante, brusco ou gradual, baixavam-lhe outras veras, estalo, faculdade, fôlego, expediam-se-Ihe por volta anjos novos da guarda, caboclos, gênio, verbigênio, apolínica chispa, o “duende”, o “daimon”? Erguia-se e erguia-nos, por comoção e impacto, raptura. Ereto – mínimo vulto, mais mente e menos matéria – maludo e esmarte agora, ao ápice e às ordens, no tinir do metal, centro de círculos até que em fecho enfim o circuito único encantatório, por efluxo também invariável -: daquela presença e intensidade anímica. Induzia, convencia; impressionava, quando não, encostando em respeito adversários, e nos sem-jeito os emparedadamente insensíveis. Isto: isto é, sabeis, o orador, o fluido e o halo. O que responde igual, mas circumpatia e nimbo espúrios, a outras dicções, que não menos sojigam e enfeitiçam – a pítica, a hipnótica, pseuda e só-Iabiosa, a elemental ou animal, mesmo a vesânica. Não a dele. Sua palavra era lavada forra do ideal sobre o contingente.

Assim aqui, assim lá, nas alienas e internacionais reuniões. Ao abrir, inesquecivelmente, a IX Interamericana, de Bogotá, por lembrar. Ou, na Conferência da Paz, em Paris, quando acorçoados o espiávamos assumir a tribuna, do mundo, convocado pelos “grandes”, Bevin, Bidault, Molotov, que alternados ali presidiam: – “I call upon the Representative of Brazil, Mr. da Fontoura…” – “Je donne Ia parole au Premier Délégué du Brésil, Monsieur Da Fontoura…” – “Imiéiet slóvo Pêrvyi Brazílhskii Delegat Gospodin da Fontoura…” Ah, Ministro! Como cabe tanta coisa nos meus olhos?

Dessa oratória e eloquência – quais o mérito e crédito, o mando, o móbil? De onde fura a fonte? Diga-se: valor. O altamente impessoal, quer dizer, o personalissimamente profundo. Da cauta, recolhida verdade do sentimento – era o que se externava – veemência ética, a sinceridade mais descoberta e em fé. Tão a fio mormente seu raciocínio, tanto mais a emoção legal certeira. Tenência. Integro, falava com uma autoridade; a de quem sabe ser vedor puro e por vezes pasmo da própria e movida grandeza. Retitude permeio e a fim, enraiz de convicção, sem regateio ou preço. Devoção à diáfana carne moral dos princípios. Mas à base então – a angústia pelo bem comum, a paixão da Pátria. Esse, dado a ver, o segredo do orador João Neves da Fontoura. Alma exercida, disse. E coração. Coração, é indispensável; todos sentimos por quê. O dever, mesmo, vem dele. Entanto que dever e pudor compelem-no a pelejar oculto.

Volto. Vai para 30 anos. Vim aqui, por causa de um prêmio, tinha de fazer discurso, cheguei tímido e cedo. Dei no saguão com grupo de acadêmicos. Deles, um, talvez não o mais próximo, endireitou para mim. (“Um acaso? Uma coincidência?” – ele é quem indaga, noutra ocasião e por diferente passo, em de seus livros: “Melhor é acreditar que uma harmonia secreta domina…” – conclui.) Encontrávamo-nos, primeira vez. Dispôs: – “Vai o poeta tomar chá conosco.” Subimos, me apresentou aos pares, de mim curou todo o tempo. (Lembro-me: Adelmar Tavares, afável, glosava-me o “… nome certo para poeta…” -; guardei, tudo quanto há com nomes me apanha.) Em 29 de junho de 1937. E, a 12, ele, João Neves, tivera posse, apresentando sobre Coelho Neto estudo crítico abarcador, com achados, perdurável por substância e senso. “Assim, terçando motivo rigorosamente literário, vós – o expoente, – provais quanto merecem e têm direito, as individualidades da vossa esmerada categoria, ao convívio acadêmico, selecionador e acertado” – saúda-o Fernando Magalhães. (Expoente – e máximo – de um gênero; contudo como aspado “expoente” inajeitadamente quem-sabe se balanceasse, usando por vezes intitular modo curto a entidade: “Academia Brasileira”; e entretanto, já pois ainda antes das “MEMÓRIAS”, pondo rancho arriba nas Letras do país.) E estava, eu disse, em sua doce lua com a Academia? (Mas, se sempre esteve, melenluarado e dos mais, tais querer e apreço prestava à Casa…) Me lembro – tributava jovial reverência ao mestre Antônio Austregésilo, outrora seu médico. Relembro, mais, Ataulfo, Roquette, Múcio, Alceu…? E eu enxergava o tido herói – aquém Ì nas aparências: corriqueiro, trêfego prazenteiro, leve, leviano que qual? Mais lembro! Tudo o que era, a olhos cheios, uma coisa – caseira, desusada, despercebida: bondade. O que ele endereçou, a uns e outros, natural e ágil, toda a vida. Não adamantino: barro. Mas do melhor humano. Sua real simpatia humana, ativa, principal. Ele era bom. Será que faz ainda sentido a palavra?

Semanas mais, deu-se-nos nova minúcia – senha ou casualidade?

(E ajuntemos delas, que é como a vida se faz.) Tudo o que, aliás, tutameias peripécias, se passava nas ocasiões tão avulso, cabível sem antecedência nem consequência, que pôde me parecer até enganoso, fora de esquema, lapsos de improbabilidade; só no futuro iriam assentar nexo. Foi, foi que eu vinha distraído pela Avenida e sem rumor esbarrou à beira de mim um carro, alguém cordial falando-me: – “Aonde vai o poeta?” Era, claro, João Neves. Me fizeram subir – ele estava com Olegário Mariano e, por estúrdio que se tenha, jamais me acontecera convocação do jeito! – levaram-me a casa. No caminho… bem: – “Você um dia será também acadêmico” – sisudo emitiu. – “Mas, mais tarde…” – retomou-se. Mesmo muito mais tarde (disto não sei se riu, do analógico) comentei: – “Na terceira vez, o sr. me içou foi a chefe de seu Gabinete…” E é episódio a contar; tanto dele revela.

Vem de mais de 20 anos. João Neves, até lá, percorrera muito, incluso nos espaços diplomáticos: membro da Delegação do Brasil à II Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores das Repúblicas Americanas, em Havana; Embaixador em Missão Especial a Cuba e ao Panamá; e Embaixador do Brasil em Portugal. Eu, de mim eu andara por Alemanha e Colômbia, e agora, na Secretaria de Estado, tomava conta do Serviço de Documentação, valha dito, em taipa no meu hipogeu. Soube, vago, que João Neves da Fontoura ia ser o Ministro das Relações Exteriores. E – vede que homem. Vai, vai, um dia, o, saudosíssimo, Embaixador Orlando Leite Ribeiro, Chefe do Departamento de Administração, Chefe meu, me mostrou (- “Sabe de quem é esta letra?”) tira de papel com o meu nome. Era uma escolha, acontecia meio algébrica, despessoal, certo modo abstrata. Escutai-me.

Em dadivada página das “Memórias”, das que me honram maior e comove-me, põe ele o fato – de outra margem. E: “Rosa é um dos meus mais novos amigos. (…) Quando tive de escolher o chefe do meu gabinete, no Governo Dutra, inclinei-me por ele, por força da chamada ‘dupla vista’. (…) Dou muita importância às pequenas coisas; mais do que às grandes.” Já em artigo, num semanário, ele publicara: “Para a chefia do gabinete convidei o então 1º Secretário João Guimarães Rosa. Não o conhecia bem, mas, num lampejo ocasional, ele me apareceu como a pessoa de que precisava junto de mim.”

Então explico. Nada quase corre simples, nesses casos, depois tremeiam-se lembranças e contralembranças; e há que, se o destino quer e faz, aplica luxo de lances, ataca por linhas simultâneas – disto sei recheados exemplos. O que ele grava nas “Memórias”, certo a certo, deu-se. Mas houve mais, confluência, e eis aqui João Neves reavulta. Se bem que conhecedor de funcionários à altura no Itamaraty, ele, jogando seguro, pediu a Leite Ribeiro indicações (e, com um e outro, confirmei comprovada essa conversa). Encomendava: “alguém que, chefe de gabinete, não se ensaiasse ‘eminência parda’ ou ‘ministrinho’ arrogando-se a ministrança…” Leite Ribeiro apontou diversos. “Mas: ‘… e que entrasse para a chefia com atitude de espírito igual à de quem sai…” Vindo ora a mim a vez, atentai para o que João Neves por cima perguntou. – “É de que Estado?” – “Minas.” – “Fico com ele!” Assim considerava a minha mátria pátria, à qual devesse também pelo sangue, por sua avó materna. A ela se reconhece unido e grato: “Visitando muitas vezes Minas, aí por volta de 1929 e 1930, e falando ao povo em comícios apaixonados, nunca deixei de meditar sobre os insondáveis juízos da Providência: eu tinha ido dez anos antes àquela bendita terra buscar um pouco de saúde…” Prezava não tão-só “a doçura daqueles ares de montanha”; mas própria a gente: – “Vocês, mineiros, são diferentes de todo-o-mundo…” – repetia; apreciava mesmo “as tragédias mudas da política mineira.” Assaz confalasse o mote de COELHO NETO: “A terra venerável de Minas, terra de abundância e de hospitalidade, fértil e amável como o doce e generoso país quenanita…” E, pois, dela nunca poderia ser dito duvidador ou menos amigo.

Desoferecido foi que fiquei, peado quase. A um mestre achei de pedir conselho, ao Embaixador Leão Velloso, o Ministro que deixava a pasta. – “Que fazer para ser um chefe de gabinete?” Ele, coloidalmente bondoso e dono de curtida sabedoria, não à-toa vivera anos na China. Ainda assim primeiro se pasmou, um átimo. Acudiu-me, porém com fino sorriso adequado: – “Sempre trate de não chegar depois dos outros. E de mais não precisa, quem é capaz de fazer essa pergunta…” Nem tanto. Desde cedo, apenas, também eu aprendera que “o sábio fia-se menos da solércia e ciência humanas que das operações do Tao”. Muito junto do braseiro, gente há às vezes que não se aquece direito, mas corre risco de sapecar a roupa. Eu gosto do amarelo. Talvez enfim nunca pudesse ter sido chefe de gabinete, de ninguém; salvante mesmo só de um João Neves da Fontoura.

Não que para preposto caçasse ele homem de capim, anódino, esmorecido; estimava ao invés a franca contestação e resistência. Disso intuí nota, ligeiro. Contava eu aprender primeiro suas querências e movimentos: assunta-se o leopardo é de dentro da jaula. Mal me deu tempo. Mandara a despacho um decreto, sem que eu o visse; o que, em si, importava nada. Apenas, esse ato – e era, menina-dos-olhos, o que criou o “Curso de Preparação à Carreira de Diplomata”, uma das conquistas institucionais da administração Dutra e da gestão Neves da Fontoura – suprimia, de golpe, os concursos diretos, deixando penivelmente por baixo os candidatos do interior, dos Estados. Vim estouvado opor-me; riscou-se o quadro a corisco, feito raspar de garrotes em escaramuça. Desfechou-me: – “Alguém de Barbacena ou Cordisburgo?” – “Ou de Cachoeira, por exemplo…” – tive de repontar. – “Isso nunca acontece!” – ele revirou. “Aconteceu comigo…” – pus ponto. Digo, pontuou ele, sussurrado só, numa de suas reações rapidíssimas: – “Talvez não seja mesmo democrático…” Solilóquio peremptório. O Ministro pediu de volta o decreto, para modificação; manteve o concurso de provas, excepcional e paralelo ao Curso, inventou bolsas de recurso aos estudantes desprovidos.

Sei, nesse entestar ficamos de verdade ligados. Descobrindo também que ele era, por constância e excelência, o democrata. Creio não ter encontrado outro assim inerentemente autêntico. Ideal, espírito, sentir democrático, possuíam-no – como respirada quantidade, fundamento e arraigo, sua característica. Por aí sofria, pensava, acertava ou se enganava, persistia. Escarafunchai-lhe a vida, e verificareis. Ralavam-no a engulho quaisquer conotações de regimes superados. Chegou a mandar proceder a original escrutínio no Itamaraty, a respeito de mudança de horário. Seu conviver demonstrava, porejante, a ingente crença. A mim, a quem o conceito da soberania do povo suscitava ainda visos meu tanto teóricos, ensinou-me que ela tem outrossim carne e canseiras, tarimba e pão, consolação; mas, principalmente, certeza criadora.

E esse – revolucionário, o removedor, exemplar de cultura e humanidade, dado ao esforço progressivo e aberto a quanto de construtivo, visando permanentemente ao bem da comunidade, admitindo a coexistência honesta das ideologias – desatentou na temática da transformação social, dela se desavisou ou dessentiu-a, a grau de merecer tacha e pecha, não andou com o tempo?” “A idade que vivemos é a da cooperação niveladora” – proferiu. Repetia-me citação: “Vivemos no seio de uma grande injustiça…” Detestava toda sorte de usurpação, não toleraria o mínimo retrocesso, o rejeito de nenhuma das duras e graduais aquisições nesse plano, no qual somente não colocava a urgência como um optativo categórico. Temesse, há de ser, qualquer sôfrega dissolução do genuíno no aleatório, receava o destabocamento, caos, a má ordem. De feita, apostrofou-me: – “Você pensa que a gente vive no Céu?!” Desde menino destinado, e desde a adolescência entrado à lida partidária, e por uma carreira de seis decênios na estacada, prisioneiro de cívicos intuitos – confez-se aos despóticos valores políticos da ação em superfície, sem pausa para esfriar-se do tumulto e da força adquirida – incicatrizado investindo sempre o imediato – e portador de um alarme.

João Neves vinha à direção dos negócios sabendo o aranzel do ofício. Dominara encargos e responsabilidades de sua missão e enorme experiência diplomática, de 1943 a 1945, em Lisboa, neutra, posto crucial pelo entrejogo de meias manobras, pressões, urgidas decisões ponderosas. Comandante, agora, e por duas vezes, desestreitado e no cluso, deu-se à faina de nossas relações internacionais: de maneira forra, lúcida, objetiva, sutil, decente e oportuna. Sei que, a pensar e realizar, ele se adiantava em toda iniciativa e dignificava qualquer rotina. Documentado está o que pôde, conservado nos rascunhos e registros. Apenas, o meu Itamaraty, mansão de equilíbrio e mourejo, fiel e febril, muito mais do que fora se crê, e também uma Casa hierárquica, timbra seus assuntos – não por cavilosidade, culpas, má-fé, senão rigor de precaução essencial, moderação co-harmonizadora e universal regra específica de estilo – pelo selo de “secretos”, “confidenciais” ou “reservados”. Do que ele fez, sem subservir ou omitir-se, sem falsimilhanças, me penetro. Disto não darei parte; nem serei quem deixe de deixá-lo sub rosa. Mas aqui inscrevo, como premissa honrada e sustentada, a que, a 1o de fevereiro de 1951, em discurso de posse, foi seu juramento: “Convém tornar explícito que, na condução da política externa, o Governo – acima de tudo – velará para que aos interesses fundamentais do Brasil não se sobreponham, em quaisquer circunstâncias, interesses alheios.”

Reevoco-o: vejo que trabalha, trabalha, à mão-cheia entusiasmada, no retângulo-arena de seu gabinete. Solto lépido, serviçal que nem jovem secretário-de-embaixada, e a todo tempo impartível da exata dignidade, e da amenidade de irmão da gente, ingênita gentileza. Fazia conta do bem-estar e das necessidades ainda que de servidores infimífimos. Manipulador agudo do concreto, descia, prático, a sugerir meios e aconselhar-nos na execução das tarefas; e eu me envergonhava da minha entorpecedora e distanciadora precisão do absoluto, nas ocasiões em que, enrolado ele mesmo a debater tropel de assuntos, em reuniões, tomava instante para passar-me expeditivos bilhetes de auxílio, – solícito espontâneo, valedor constante, servidor de seus servidores. Difícil de quadrar-se a tolhedores métodos, aparentemente um absorvedor individualista, lia tudo, tudo capturava e examinava, produzia e orientava, sem cessar, ditava com proba avidez. Arremetia grandes olhos a qualquer problema, não enjeitando a farinha por grossa nem o angu por duro, jamais avaro de si. Nunca o vi bocejar; se estremunhava era como despertado gato. Seguro de modos trastando exercitado autodomínio, inimigo de ênfases, dramaticidade ou imponência, nem com ensombrar meio rosto se traía, ou só em quebrado de segundo, no semicerrar o cenho; quando indicado, ensurdecia-se um pouquinho mais, polidamente. Temi, vez, que, devido a raso descoincidir de índoles e vistas, estivesse-o menos socorrendo que estorvando, e o interpelei: – “Ministro, como é que o sr. me suporta?” (Nessa manhã, de seguida, espalhara eu alguns de seus projetos, tendo-me como isolador ou mau condutor contra as descargas de bateria poderosa.) Retrucou-me: – “Porque nós nos completamos… Você é a minha consciência mineira…” Por certo assim ministrava-me sua natural generosidade, propinado automático agrado de político; vede, porém, que na tirada predominava pico do sense of humour, absolutamente indispensável e uma de suas riquezas. Senhor na indubiedade, sem intricantes vacilações, destorcido era que puxava pelos mais complexos fatos; nem se furtando de abrir janela ao vento. Discorria-os a fino e gume ardor inteligente, seja sobre a tábua da justa medida e bom senso. Sabia esperar, conquanto suponho achasse que esperar é dar-se em hipoteca. Nada desandava, entretanto, nem desconchavando mesmo a quem não afeito a esse ritmo e velocidade de espírito. Inteligência que ao auge resplêndida se exercia, quando no aperreio do arrocho e já a horas de estalar, sem beirada o prazo. Dele então se inesperava: faísca, a inédita ideia, terminante, ou a útil definição, saltada acima, brasa. Ainda mais se em contenda. Parece mesmo que, para com toda a eficácia fixar-se a escogitar coisa do correr comum, primeiro carecesse ele de atribuir-lhe sentido adverso hostil, para acometida e de vencida.

“Mas meu signo era claramente o da luta” – vem descobre. Decerto. Seu era o signo do Escorpião, sob cujo influxo hoje transpiramos, campo-de-força de Marte. Scorpio reparte a seus filhos, com senso extra dos deveres e força de vontade tremenda, a pugnacidade decidida, intrepidez, gosto da rusga e da guerra. Fazem aos punhados inimigos. São políticos perigosos. O sujeito do Escorpião desfaz no risco, não alui por temor nenhum, defende-se atacando, nutre-se do conflito, dele extrai renovada substância ao contrário de despender energia nervosa, resiste até à morte. João Neves, a gente encontrava-o amofinado, perrengue, pessimista, e já se sabe: embaraçava-o a apatia dos entreatos pacíficos, atolava-se na tranquilidade. Ele não via o sol nos belos brejos, horizontais. Depois, a gente voltava, e eis ora o homem sem achaquilhos e o acessório, são, alegre esportivamente, suas forças todas enfeixadas. Pois então, é que de novo em patriótica briga – era o realizar-se e renitir – o entrevero! Disso deixa conhecimento: “a poesia da peleja”, “o sabor agradável dos embates”. Define-se? “Por uma longa experiência, estou convencido de que a consciência do perigo e a certeza de vencê-lo influem uma grande paz nos espíritos atribulados.” Daí mais sua filosofia, ou, melhor, Weltanschauung, resoluta cosmovisão, que era já a de Jó, de Uz. Diz: “Toda segurança é aparente, todo bem-estar terrivelmente interino.” “A escolha e a luta são nossas inseparáveis companheiras.” Portanto; “andava sempre, como se diz, com sete sentidos”. “A vida é uma perpétua emboscada.” Só que com ainda escorpiônica sensatez, mas nada de supérfluas cautelas; e humano não é sinônimo de paradoxal? Refrega durante e em avante, sim, desembuçado respeito pelo contendor. Nem o estúrdio potencial de ódio do Escorpião podia com sua não menos inata magnanimidade.

Então – e ele e Vargas? E ante Aranha? A dúvida pertine e o ponto pertence, cortando aqui desconversa, porquanto dentre bando e numeroso escol – os brasileiros grandes do Rio Grande – plano adiante inscritos na mesma moldura: tríade que em conjunto giro insólito a História nos trouxe. Impende a pergunta. Resposta, Deus sabe, só sou contador. Vínhamos, por exemplo, de visitar Oswaldo Aranha – feérico de talento, brilho, genialidade, uai, e daquele total conseguido esculpir-se em ser – e Neves pauteou: “Você estava extasiado, empolgado…” Mas vi e já advertira em que não menos cedia ele à cordial fascinação. – “Sagarana (sic sempre), cuida disto para o João…” – telefonava-me Aranha alguma vez. Prezavam-se e queriam-se, alta, gauchamente; a despeito de quaisquer despiques, queixas, rixas, unia-os a verdade da amizade. Getúlio Vargas, muito falávamos a seu respeito, compondo uma nossa tese de controvérsia. Meu interesse, sincero, pela imensa e imedida individualidade de Vargas, motivava-se também no querer achar, em sã hipótese, se era por dom congênito, ou de maneira adquirida mediante estudo e adestramento, que ele praticava o wu wei – “não-interferência”, a norma da fecunda inação e repassado não-esforço de intuição – passivo agente a servir-se das excessivas forças em torno e delas recebendo tudo pois “por acréscimo”. – “Enigma nenhum, apenas um fatalista de sorte…” – encurtava João Neves, experimentando fácil dissuadir-me. Mas, apto ele mesmo ao mistério, sensível às cósmicas correntes, à anima mundi antiga, teria de hesitar, de vez em quase, também a memória cobradora beliscando-o. – “De fato, o Getúlio dá estranhezas, nunca ofegou ou tiritou, nem se lastimava de frio ou calor, que nós outros todos padecíamos, nada parecia mortificá-lo…” – concedia-me, assim, pequenas observações. Logo, porém, sacudia-se daquilo. Fazia pouco de minha admiração-esimpatia por Vargas, sem com ela se agastar. Diferença fundamental de temperamentos em contraste – o ousado opugnador sem coleios e o elaborador expectante do contempo – de incerto modo inconciliava-os: por um lado insofrido espenejar-se contra visco, de outra banda quieto apartar-se de picadas. Voltas e contravoltas de longo acontecer, as vãs vicissitudes, fizeram o resto. Ou injunções de foro íntimo, públicas concepções diversas. Aproximações, afastamentos, reaproximações, como termos periódicos, patenteiam nada de outro que uma forma do “kaempfende Liebe”, de afeto combatente. Demais, não se pisaram nem cuspiram nos ponchos, haveriam de entender-se, dia ou dia, em fim; já não pelo hábito caroável e em tradição cavalheiresca, mas por vinculação predeterminada e obedecida, acima de dessemelhanças ou revergências no obscuro e ambíguo das causas transitórias. Lembremo-nos sempre do que ainda não houve. Retirou-lhes a tragédia a extensão dessa substância amorfa e escolhedora – o tempo. Esta horária vida não nos deixa encerrar parágrafos, quanto mais terminar capítulos. Entanto que, como viável esteira do próprio tempo, só nos resta, a nós, cegos rastreadores, o desconjuntado flou de uma má montagem. Recordo: “As coisas estão amarradinhas é em Deus” – entimema único que punha em acordo minhas Vovó Chiquinha, de Traíras, no Rio das Velhas, e Vovó Graciana, de um povoado do Paredão do Urucuia.

Mesmo em meio de política.

Salteai-o nos tomos de crônica comentada – “Borges de Medeiros e seu Tempo” e “A Aliança Liberal e a Revolução de 1930” – em que João Neves da Fontoura nos estende texto digno de estadista sarado, de marca. Asseado depoimento, razoado a rigor de cunho positivo, nas formas da lógica; entrediz-nos entanto, quando por zelo explanador ou afã de interpretação, o titubear do autor, testemunha ou personagem, frente ao desconforme improviso dos casos e rente ao ultrapropósito de acontecimentos. Tal quer-se transparente para objetividade e acurácia – e a transparência pressupõe fundo luminoso – tão logo tem de citar os “altos juízos”, os “desígnios” da Providência, seu “império”, o “papel” que ela lhe distribui. Alega antecipações, não pode “desviar o pensamento de certas forças imponderáveis”, reitera menção de outroversas coincidências numerológicas. Duvida enfim do plano empírico: “Sonhos ou realidade? Será que a gente vê mesmo, com exatidão, as pessoas e as coisas?” Nem estamos em Alexandria ou Ásia, mas soletrando verídico relato de um americano latino, de ideias ordenadas.

Supersticioso, sim; é claro. Superstição não preconceito, o ilusório; antes quase poesia. Percepção e arejo, defensivo psíquico automatismo, uma respiração cutânea do espírito, talvez. Soubesse que poesia é remédio contra sufocação. (Acompanhei-o, primeira sexta-feira, aos franciscanos, achávamos benigno gesto sob apaziguadoras signas de ensalmo. Não empreendia longa viagem, sem à última folga visitar igreja, mas assim mobilizava-se era para o que der e vier do agir. De outra levada, voltávamos de Petrópolis, rodamos ao outeiro de São Bento, aplicaram-nos os monges a bênção de São Brás, 3 de fevereiro, acesas as velas cruzadas, era como em remoto em meu Cordisburgo sobre o Ribeirão-da-Onça, a gente reentrava a intacta confiança e infância.) Sabe-se disto – que justo os rijos fazedores, de maneira calada ou confessada têm de ser no particular susceptíveis ao mais, captem os cantos de todos os galos. Tudo, pela metade, é verdade. Os extremos já de si sempre se tocam, antes que tese e antítese se proponham.

Mas, esse tom intuicional, aquela atmosfera passada de eflúvios, compertencem ao que se espera de currículo descrito por homem público? Talvez não; tanto nuamente são mesmo é da vida.

Salvo dissermos ainda do individido discernis entre obrigação e vocação, tendência e necessidade. João Neves foi político por encaminhamento, determinismo ambiente, renovados ditames; não por vício. Melhor, por recorrente ecologia pessoal como inevitável campo de ação, a metade estática do fadário – seu dharma. Estou-lhe no eco: afirma que em política sempre caminhou e subiu dando as costas aos mais entretidos desejos, até mesmo aos propósitos mais fincados. Dela diz ter sido, “talvez hereditariamente”, sua “fatalidade”. Vê, nela litigando, a imposta relatividade que a macula – bem em intenção, mal necessário. Aí dá-se outra medida de sua nobreza e rareza. De fato.

Surpreendi-o, amiúde, no vivo. Uma vez, por exemplo, descansávamos, especulando disso e daquilo, chegou-se a confronto entre o político e o artista. Precipitei-me a grado de argumentos e exercício. Neves, repartido absorto, externou-se então em frases muito planas, não dissertava, recordava. Falou das obras que pudera promover na Cachoeira, de tanto que no Brasil precisava de urgente ser feito, imaginava humildes enormes realizações. De ato, entendi. O que ele pretendia e perseguia era a política substantiva, seu discreto cívico exercício e trabalhosa consecução, sacrifícios pelo cabedal coletivo, a concreta causa do povo: culto aprendido, desde quando contemplava famoso manifesto de Júlio de Castilhos, impresso em cetim branco, num quadro no escritório do Pai – que ele acompanhava, a cavalo, em suas idas de Chefe local do município. Colocava-a alta, mas na escala dos deveres, sem refugar nem reter seus aspectos subalternos.

Provável porém daí também decorram as constantes negativas que o embaraçaram na falácia das situações vitoriosas: um sobrevir de empecilhos “between the cup and the lips”, entre a colher e a boca perdendo-se a sopa, e o obstinado opor-se da perfídia imanente às coisas, “die Tuecke des Objekts”. Cabia-lhe, nas campanhas, “receber os primeiros e os últimos golpes”, entanto que, “na hora das honrarias e dos postos”, sofrer as “injustiças e preterições” – diz.

Tenho que o onerasse o handicap de excessiva sensibilidade, com a mobilidade, mercurial, conseqüente; mais alguma incontida impaciência de idealista. Faltavam-lhe, além da gana irracional que em vontade-de-poder se revela, blindagens grossas, densidade epidérmica, o quanto de macicez para o desempenho do calibanato. Da sensibilidade e inteligência tem-se sempre de pagar ingrato preço.

Por contra, que formidável campeador, quando na oposição, aquelas mesmas aparentes limitações o faziam, com destaque dado e conquistado! O que se pensava dispersivo, plástico e fragmentário, resolvia-se em flexibilidade presta, multiplicados meios e órgãos de movimento e ataque. A fartura de antenas sensitivas provia-o de incomparável tino, quase adivinhador. Funcionavam-lhe engenhadas as imaginosas aspirações, vezesmente, sem relaxe; tanto quanto jogando-o ao arranque de superação a própria experiência de reveses. Tremendo, ei-lo, contendor duro, conspirador sério, conferindo força de persuasão e evidência convincente, inchante fermento; pequeno polegar, malasarte, malino não maligno nem maquiavelhaco, mutuca – como Sócrates de si mesmo na “Apologia” diz-se “a mutuca de Atenas” – ou melhor na pressa não reta das abelhas em voo, à mão-de-deus-padre de táticas inseguras e certeiros desatinos, fogo em todas as frentes, não lhe importando perda de chumbo ou pólvora. Espetáculo! Franzino a performar seus trabalhos-de-hércules. E, aqui, estamos no vértice do incontestável. Contai-os.

Revede, a etapas, o que dele guarda lasca e garra, e dívida à eficácia de sua impulsão sustentada exata, à ponta extrema. Recitem-se, 29/30, Aliança e Revolução; 32 a Epopeia da gente Paulista, que remeteu inadiável em prumo o Brasil; a vitória, 1945, da candidatura Dutra, por ele alevantada (e recusara filar em mãos a sua, própria, com manilha e trunfo, posta por Vargas); a campanha mesma pró-Vargas, 1950. Mas meramente marcos de geodésica, ou, devo, digo, rebojos que mexem à flor de correnteza estrênua. Drede detendo-me de algum juízo entre o quer-que de homólogo ou díspar, aí, eventos e causas. Quem julga? Apreendeu já alguém, sobre o fluxo dos fenômenos e dar-se de valores instantâneos, a ortografia das tortas linhas altas? Seja sim obediente então a intenção – em que quanta composta coisa se insere, coalesce e coere. Teste-se, no mais severo balanço, sem encarecimento, de João Neves da Fontoura: não um bélico tumultueiro, lansquenete, buscador de vantagens ou construtor de revanches. Só o servidor enxuto. Sete-capotes, rompe-gibão, tranca-porteiras, angico-branco, ouricuri que a queimada lambe e poupa, quebra-machado, tamboril-bravo. Até ao final, montou guarda.

Mas, política, tempo e modo, mudavam em antes não visto acelerar-se, ultrapassante, enquanto que a idade pegava-o já com meio frias meias mãos; tanto o viver vai maior e mais ligeiro que a gente. – “A vida é uma série crescente de restrições” – falava-me. Rejeitara ainda ser Ministro do Exterior do Governo Kubitschek. Na lonjura as trépitas festas de orador – e a diminuição auditiva (dizia-se ele um “hipoacúsico”) toda maneira tolher-lhe-ia a tribuna polêmica. Embora, à altura, procurado sempre para opinião e conselho, irradiador, prezada mais sua presença condutora. Então entrou à imprensa que nem a outra paliçada. Formou de jornalista, dos pontualmente mais atuantes, em artigos e editoriais, coraçonados, escorridos, acertantes, de destopeteada bravura. Das coleções de O Globo, por mencionar, estariam de desentranhar-se, desses, volume e volume.

E envelhecia bem; isto é, tomava posse do passado. O passado também é urgente. Abriu-o em todas as páginas. Escreveu as “MEMÓRIAS”. Narração e demonstração. O lutador conta – descreve as passagens de próprias guerras, fama devida… – perfila-se. Máxime. Não era homem de não prosseguir, ao sol-entrar, quando a lembrança cria exemplo. Fez grande, importante livro. Tirando-o de cadernos, maços de documentos, tanto quanto do tutano da memória, mesma, objetiva e afetiva, recuo montante. Mais de sua arte de rever e aviventar, forte honestíssima. Fiel às amizades e às inimizades; leal, acima, à verdade, perceba-se. Ivan Lins refere como João Neves fiou-lhe a ler os originais e tomou em rigorosa atenção todas as retificações; procedeu também assim com outros, igualmente íntegros e fidedignos. Quis ser justo, daí o escrúpulo e cuidados para com os fatos. Vereis que pôde falar, em desaparato, do muito que foi, “a contragosto, e o imenso que não quis ser”. Seu ethos – o da era, que começa, dos comportamentos a descoberto – é o roteiro esforçado da fé e a dinâmica da humildade. A de homem culto: o que sabe pensar. Por outra parte, são as “Memórias” livro de que se honrará a nossa cultura. Relede-lo. Jamais enfara; cativa e gratifica, a cada volta; com ele se convive. Tudo põe e repõe, desenredado, simplificado, pormiudamente humano, com tacto e lisura, tanto bastante. João Neves nele confessa-se, espontâneo e discreto, desimpedido e comedido, como um recibo de entendimento, como o clamor de um cochicho. Vem franquear, a quantos, um fundo de consciência, o centro de sua personalidade. Ele mesmo – transretratado. Direi, escreveu-o para o Juízo Final, como todo livro deveria ser escrito.

Seu fervor literário, aliás, se extravasava sempre. Lido, lia em dia, fazendo das leituras a um tempo húmus para a mente e estímulo às ideias que povoavam-lhe aqueles retidos “territórios íntimos”. Dividia-os, entanto, prazeroso pleno conversador, nos entremeios da ação, lembro-o de novo: quaisquer vezes, quando a gente corria – “Allons-y!” – estradas de Flandres e Holanda, ou passeando sós longo-praias de Ipanema e Leblon, ou tomando chá à beira do Marne, qual se sob sombra de um plátano à borda do Ilissos, quer debaixo de caraíba ou umbu, vendo a covilha ou a chapada.

Nem esqueço, em Bogotá, quando a multidão, mó milhares, estourou nas ruas sua alucinação, tanto o medonho esbregue de uma boiada brava. Saqueava-se, incendiava-se, matava-se etc. Três dias, sem policiamento, sem restos de segurança, o Governo mesmo encantoado em palácio. Éramos, bloqueados em vivenda num bairro aristocrático, cinco brasileiros, e penso que nem um revólver. Recorro a notas: “12.IV.48 – 22 hs. 55′. Tiros. Apagamos a luz.” Mas, o que, com João Neves, por sua calma instigação, então discorríamos, a rodo, eram matérias paregóricas: paleontologia, filosofia, literatura; ou lembrava tropelias brilhantes de seu Sul, citava o saudoso nosso Dr. Glicério Alves, nobre tipo humano, do melhor gaúcho e amigo. E, todavia foi sua determinada e ativa decisão um dos ponderáveis motivos por que a IX Conferência se manteve na capital andina, adiante e a cabo.

Sua contenção derivava do bom gosto, essa forma ameníssima de renúncia; imolava-se, diário diuturno, com naturalidade. Daí a gentileza de espírito e elegância de maneiras – econômico de corpo mas nãonadamente mesquinho, petulante ou cosquilhoso – jamais vulgar nem em desclasse. E a permanente galanteria: portava-se com sua netinha Fátima como se perante uma lady ou um flirte. E no neto Joãozinho já visse futuro o adulto, seu continuador em renome, renhir, responsabilidades. Sob o afoito combativo, a gente acertava mais, sempre, a tranquila sabedoria do medimento: sophrosyne. Não punha contra si em movimento os mecanismos da Nêmesis. Era quase como um menino que ele pedia alguma coisa à vida. Compreensivo, notava-se pela benevolência e de-sobra tolerância – “Ninguém muda ninguém…” – não julgava. Usava e dava a esperança. Imortal é o que é do sofrido e espírito; tudo, abaixo daí, é póstumo. As coisas que ele me disse não se afastam com o tempo.

E expande-se: “… cada alma vai sentindo, na descida do caminho, a ânsia de se devotar a deveres mais altos do que as paixões públicas.” Tem-se então, imediato, avançando dos grandes fundos, outra extraordinária personalidade, Arthur da Silva Bernardes, que faleceu súbito, em meio à lida lúcida, mas deixando, como por toque de preconhecimento, num derradeiro bilhete: “O fim do homem é Deus, para o qual devemos, preferentemente, viver. Eu, porém, vivi mais para a Pátria, esquecendo-me d’Ele” – pedindo ainda aos amigos, correligionários, e aos de boa-vontade, que com orações o ajudassem a resgatar aquela falta.

João Neves, tão perto o termo, comentávamos, suas filhas e eu, temas desses, de realidade e transcendência; porque agradava-lhe escutar, ainda que não tomando parte. Até que falou: – “A vida .é inimiga da fé…” – apenas; ei-Io, ladeira pós ladeira, sem querer fim de estrada. Descobrisse, como Plotino, que “a ação é um enfraquecimento da contemplação”; e assim Camus, que “viver é o contrário de amar.” Não que a fé seja inimiga da vida. Mas, o que o homem é, depois de tudo, é a soma das vezes em que pôde dominar, em si mesmo, a natureza. Sobre o incompleto feitio que a existência lhe impôs, a forma que ele tentou dar ao próprio e dorido rascunho.

Talvez, também, o recado melhor, dele ouvi, quase in extremis: – “Gosto de você mais pelo que você é, do que pelo que você fez por mim…” Posso calá-lo? Não, porque sincero sei: exata estaria, sim, a recíproca, tanto a ele eu tivesse dito. E porque deve ser esta a comprovação certa de toda verdadeira amizade – impreterida a justiça, na medida afetuosa. Acredito. Nem creio destoante ou mal assentado, numa solene inauguração de acadêmico, sem nota de despondência, algum conteúdo de testamento. Giremos a perspectiva.

Ainda talvez mais que eu, ele vos agradeceria minha presença aqui, aonde desejei vir – para o ver “claro e quieto” que Machado de Assis inculca. Só não cismando, há-de-o, que em sua mesma vereda, a subseguir, orgulhoso e transido, o elenco destes que ganharam vida difícil, trabalharam sem repouso e hora por hora renderam-se à intimação interna – escolha ou chamado. Eles, Neves da Fontoura, Álvares de Azevedo, o que morreu moço, poento de poesia. Coelho Neto, amoroso pastor da turbamulta das palavras. Tenho-os comigo. Pois não descendemos dos mortos?

Deferidos, entretanto, à simpatia dos vivos. Vós. Demais que vindo-me o bom modo de vosso agasalho pela palavra de um a mim bem próximo, admirado e querido, malungo, autorizado. Afonso Arinos de Melo Franco -: capaz para pretender-se “mineiro, totalmente”, por estirpe e por espécie, “das Gerais e dos Gerais”; idôneo de declarar que tudo o que sente de mais espontâneo e natural no seu espírito “tende a considerar intelectualmente e mesmo literariamente a vida”; autor de A Alma do Tempo, que fundo releio, para alongamento e consolo, um dos livros maiores do pensar e sentir brasileiros; originário dessa Paracatu – grande e memoriosa entre chapadões sertões -, e cuja estranha notícia, trazida por vaqueiros, boiadeiros, tropeiros, desde a meninice enriquecia-me a imaginação, qual outrotanta maravilhosa Tombuctu, a depois do Saara, sobrenomeada “a Rainha das Areias”. Dele temo e alegra-me ouvir afirmações de doador muito entusiasmado; já que arriscado e conturbante é a gente se tirar das solidões fortificadas. Trar-me-á, igual, simbólico, vosso primeiro abraço, o escritor sem falsas e amigo sem falha: Josué Montello. Cumulo-me.

Nem aguentaria dobrar mais momentos, nesta festa aniversária – dele, a octogésima, que seria hoje, no plano terreno. Tanto tempo a esperei, e fiz que esperásseis. Relevai-me.

Foi há mais de quatro anos, a recém. Vésper luzindo, ele cumprira. De repente, morreu: que é quando um homem vem inteiro pronto de suas próprias profundezas. Morreu, com modéstia. Se passou para o lado claro, fora e acima de suave ramerrão e terríveis balbúrdias.

Mas – o que é um pormenor de ausência. Faz diferença? “Choras os que não devias chorar. O homem desperto nem pelos mortos nem pelos vivos se enluta” – Krishna instrui Arjuna, no Bhágavad Gita. A gente morre é para provar que viveu. Só o epitáfio é fórmula lapidar. Elogio que vale, em si, perfeito único, sumário: JOÃO NEVES DA FONTOURA.

Alegremo-nos, suspensas ingentes lâmpadas. E: “Sobe a luz sobre o justo e dá-se ao teso coração alegria!” – desfere então o salmo. As pessoas não morrem, ficam encantadas.

Soprem-se as oitenta velinhas.

Mais eu murmure e diga, ante macios morros e fortes gerais estrelas, verde o mugibundo buriti, buriti, e a sempre-viva-dos-gerais que miúdo viça e enfeita: O mundo é mágico.

– Ministro, está aqui CORDISBURGO.

(Foto: IEB/USP)

 

Morte

Três dias após a posse, em 19 de novembro de 1967, aos 59 anos de idade, João Guimarães Rosa morreria subitamente em seu apartamento em Copacabana, vítima de um infarto, sozinho (a esposa fora à missa), mal tendo tempo de chamar por socorro, tendo tentado pedir ajuda por telefone. O falecimento aconteceu no auge da fama, deixando o país consternado e uma lenda em torno de sua morte. Foi sepultado no Cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro, no Mausoléu da Academia Brasileira de Letras.

Em 1967, João Guimarães Rosa seria indicado para o prêmio Nobel de Literatura. A indicação, iniciativa dos seus editores alemães, franceses e italianos, foi barrada pela morte do escritor. A obra do brasileiro havia alcançado esferas talvez até hoje desconhecidas. Tinha-se dedicado à medicina, à diplomacia, e, fundamentalmente às suas crenças, descritas em sua obra literária. O autor, com seus experimentos linguísticos, sua técnica, seu mundo ficcional, renovou o romance brasileiro, concedendo-lhe caminhos até então inéditos. Sua obra se impôs não apenas no Brasil, mas alcançou o mundo.

 

Um Chamado João

No Jornal Correio da Manhã de 22 de novembro de 1967 foi publicado um poema de autoria de Carlos Drummond de Andrade em homenagem a Guimarães Rosa.

Um chamado João
Carlos Drummond e Andrade

João era fabulista?
fabuloso?
fábula?

Sertão místico disparando
no exílio da linguagem comum?
Projetava na gravatinha
a quinta face das coisas,
inenarrável narrada?
Um estranho chamado João
para disfarçar, para farçar
o que não ousamos compreender?
Tinha pastos, buritis plantados
no apartamento?
no peito?
Vegetal ele era ou passarinho
sob a robusta ossatura com pinta
de boi risonho?

Era um teatro
e todos os artistas
no mesmo papel,
ciranda multívoca?
João era tudo?
tudo escondido, florindo
como flor é flor, mesmo não semeada?
Mapa com acidentes
deslizando para fora, falando?
Guardava rios no bolso,
cada qual com a cor de suas águas?
sem misturar, sem conflitar?
E de cada gota redigia nome,
curva, fim,
e no destinado geral
seu fado era saber
para contar sem desnudar
o que não deve ser desnudado
e por isso se veste de véus novos?

Mágico sem apetrechos,
civilmente mágico, apelador
e precipites prodígios acudindo
a chamado geral?
Embaixador do reino
que há por trás dos reinos,
dos poderes, dassupostas fórmulas
de abracadabra, sésamo?
Reino cercado
não de muros, chaves, códigos,
mas o reino-reino?
Por que João sorria
se lhe perguntavam
que mistério é esse?

E propondo desenhos figurava
menos a resposta que
outra questão ao perguntante?
Tinha parte com… (não sei
o nome) ou ele mesmo era
a parte de gente
servindo de ponte
entre o sub e o sobre
que se arcabuzeiam
de antes do princípio,
que se entrelaçam
para melhor guerra,
para maior festa?

Ficamos sem saber o que era João
e se João existiu
de se pegar.

 

Obras Póstumas

Logo após o enterro do autor, a filha Vilma Guimarães Rosa foi ao Itamaraty e cumpriu as ordens do pai: retirou as duas pastas do cofre e, tal como estavam, as entregou na editora José Olympio para publicação.

As duas obras foram revistas e organizadas pelo editor e tradutor Paulo Rónai, que procurou ser o mais fiel possível aos originais deixados pelo amigo.

 

Estas Estórias

(Foto: Reprodução/Internet)

Em 1969, foi publicada a primeira obra póstuma do escritor, intitulada “Estas Estórias”, um livro com nove contos:

  • A simples e exata estória do burrinho do comandante
  • Os chapéus transeuntes
  • Com o vaqueiro Mariano
  • A estória do homem do Pinguelo
  • Meu tio o Iauaretê
  • Bicho mau
  • Páramo
  • Retábulo de São Nunca
  • O dar das pedras brilhantes

 

Ave, palavra

(Foto: Reprodução/Internet)

Em 1970, foi publicado “Ave Palavra”, foi a última obra de Guimarães Rosa. Encerrou uma produção que se restringiu a oito livros, mas que mudou para sempre a literatura brasileira.

Segundo informação da revista EPOCA, uma carta preservada na Biblioteca Mindlin, da Universidade de São Paulo (USP), abre um mistério em torno do livro e do tratamento dado aos originais do escritor. A carta foi escrita por volta de 1970 por Raul Floriano, advogado que cuidava do espólio de Guimarães Rosa. Foi dirigida a Daniel Pereira, irmão de José Olympio, responsável pelas publicações da casa. Nela, Floriano diz que alguns textos deveriam ser “eliminados” do livro a ser editado. Ele justificava: “Esses textos pertencem aos Arquivos Secretos do Itamaraty”. A carta lista sete relatórios escritos por Rosa ao longo da carreira como diplomata que não entraram em Ave, palavra. Uma estranha interferência do advogado, que pode ter deformado o último livro do escritor.

A obra uniu os textos que o autor já havia deixado prontos, sendo acrescentados outros que Guimarães Rosa havia começado a rever e refundir para o livro, sendo que quatro deles eram totalmente inéditos.

A melhor definição de Ave, Palavra é de João Guimarães Rosa: trata-se, disse ele, de uma “miscelânia”. Com isso, quis caracterizar a variedade formal e temática deste livro, fruto de uma colaboração de cerca de vinte anos em revistas e jornais brasileiros, durante o período de 1947 a 1967. Reunindo contos, poesias, notas de viagem, trechos de diários, reportagens poéticas, meditações, e ainda poemas dramáticos e reflexões filosóficas, este volume nos dá bem a medida da versatilidade do escritor.

 

Magma

(Foto: Reprodução/Internet)

Em 1997, 30 anos após a morte do escritor, foi lançado o livro “Magma”. Este é o único livro de poemas de João Guimarães Rosa, que devido ao nível de excelência dos seus romances, este volume ficou sempre em segundo plano.

O próprio escritor considerava a obra de menor expressão, não demonstrando interesse em publicá-la durante toda a sua vida, apesar do livro ter sido ganhador do concurso literário promovido pela Academia Brasileira de Letras (ABL) em 1936, utilizando o pseudônimo “Viator”. O autor justificou a sua decisão de não publicar o volume de poemas em entrevista:

[…]escrevi um livro não muito pequeno de poemas, que até foi elogiado. [Depois] passaram-se quase dez anos, até eu poder me dedicar novamente à literatura. E revisando meus exercícios líricos, não os achei totalmente maus, mas tampouco muito convincentes.

 

 

Referências

AMARELA, Rosa. Com o Vaqueiro Mariano. Rosa Amarela, 2012. Disponível em: <http://leituraliteraria.blogspot.com/2012/04/com-o-vaqueiro-mariano.html>. Acesso em: dezembro de 2020.

CUNHA, Carolina. A viagem do vaqueiro Rosa. Medium/Roteiros Literários, 2014. Disponível em: <https://medium.com/roteirosliterarios/a-viagem-do-vaqueiro-rosa-221606e20624>. Acesso em: dezembro de 2020.

Guimarães Rosa. UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2000. Disponível em: <https://www.ufrgs.br/psicoeduc/chasqueweb/literatura/guimaraes-rosa2.htm>. Acesso em: dezembro de 2020.

João Guimarães Rosa. Academia Brasileira de Letras. Disponível em: <https://www.academia.org.br/academicos/joao-guimaraes-rosa>. Acesso em: dezembro de 2020.

Uma estória de amor (da obra Manuelzão e Miguilim), de Guimarães Rosa. Passei Web, 2013. Disponível em: <https://www.passeiweb.com/estudos/livros/uma_estoria_de_amor/>. Acesso em: dezembro de 2020.

O recado do morro (Conto de Corpo de Baile), de Guimarães Rosa. Passei Web, 2013. Disponível em: <https://www.passeiweb.com/estudos/livros/o_recado_do_morro_conto/>. Acesso em: dezembro de 2020.

Primeiras Estórias, de Guimarães Rosa. Passei Web, 2015. Disponível em: <https://www.passeiweb.com/estudos/livros/primeiras_estorias/>. Acesso em: dezembro de 2020.

MARCHELLI, Clarissa. Em “A estória de Lélio e Lina”, Lina cura Lélio. Revista Garrafa/UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2018. Disponível em: <https://revistas.ufrj.br/index.php/garrafa/article/view/23945>. Acesso em: dezembro de 2020.

KIYOMURA, Leila. “Campo Geral” é um caminho sem volta para o leitor de Guimarães Rosa. Jornal da USP, 2020. Disponível em: <https://jornal.usp.br/cultura/campo-geral-e-um-caminho-sem-volta-para-o-leitor-de-guimaraes-rosa/>. Acesso em: dezembro de 2020.

KOVACS, Alexandre. João Guimarães Rosa – Magma. Mundo de K, 2017. Disponível em: <https://www.mundodek.com/2017/03/joao-guimaraes-rosa-magma.html>. Acesso em: dezembro de 2020.

ROSA, Maria da Glória Sá. “Cara de Bronze”: uma história em linguagem de cinema ou o místico em Guimarães Rosa. Universidade Federal da Grande Dourados, 2011. Disponível em: <https://ojs.ufgd.edu.br/index.php/Raido/article/view/1357>. Acesso em: dezembro de 2020.

D’ANGELO, Biagio. Dão-Lalalão, a reescrita do desejo. O Eixo e a Roda: Revista de Literatura Brasileira –  Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, 2006. Disponível em: <http://www.periodicos.letras.ufmg.br/index.php/o_eixo_ea_roda/article/view/3209>. Acesso em: dezembro de 2020.

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ANDRADE, Carlos Drummond. Um Chamado João. Blog dos Poetas/Jornal Correio da Manhã, 1968. Disponível em: <https://blogdospoetas.com.br/poemas/um-chamado-joao/>. Acesso em: dezembro de 2020.

 

Citar Referência

CARVALHO, Lucas Gustavo (Pesquisa). João Guimarães Rosa. Drops por Lucas Gustavo, 2021. Disponível em: <https://lucasgustavo.com.br/drops/blog/biografias/joao-guimaraes-rosa/>. Acesso em: **de*****de****.

Jornalista, Analista de Sistemas, MBA em Gestão de Tecnologia da Informação. Divulgando conhecimento.

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